Por Valdemar Morais
Conhecer as histórias em
quadrinhos vai muito além de ficar por dentro dos principais personagens,
artistas ou as tramas mais emblemáticas. Passa também por ter uma noção de como
foi a evolução dessa arte, seus sucessos e fracassos, ápices e quedas.
Obviamente que abranger mais de 100 anos de História das histórias em
quadrinhos não é das tarefas mais simples, mas, a exemplo do chiste sobre Jack,
O Estripador: vamos por partes.
Na trajetória do gênero
super-herói, foram convencionados períodos históricos conhecidos como “eras”.
Para abordar mais detalhadamente esse mais de um século de HQs, indo muito além
dos heróis uniformizados, o Quadrante9 vai se dar o direito de
expandir esses conceitos e estabelecer suas próprias “idades históricas”. Assim como na própria História, os intervalos de tempo são apenas para ajudar na didática, ou seja, não quer dizer que uma era tenha terminado exatamente onde acabou a outra. Paulatinamente, cada era será esmiuçada, trazendo episódios pitorescos,
tristes, emocionantes e que certamente vão mostrar por que as histórias em
quadrinhos são dignas de ser chamadas de arte.
Mas antes, é claro, é
preciso conhecer que “eras” ou “idades” são essas. Ligue o seu DeLorean, marque
a data desejada e embarque nessa viagem pelo tempo!
PRÉ-HISTÓRIA
Período:
Das
cavernas até 1896.
![]() |
A Coluna de Trajano, em Roma, foi terminada em 113. (Fonte: Magerson Flickr) |
A Pré-História dos
quadrinhos se inicia com a própria civilização humana, que na busca de
estabelecer narrativas e garantir seu acesso às gerações futuras, cunhou o
método de unir imagens em sequência. De pinturas rupestres a painéis em alto
e/ou baixo relevo em Roma e na Mesopotâmia, dos afrescos japoneses aos vitrais
da Europa medieval, dos livros infantis ricamente ilustrados da Alemanha às charges políticas do Brasil imperial. O marco derradeiro dessa era é o
surgimento da tira The Yellow Kid, nos Estados Unidos,
sendo o primeiro exemplar de arte sequencial que utilizava balões para conter
as falas dos personagens.
ERA
DE PLATINA
Período:
1896-1938.
![]() |
O Agente Secreto X-9 foi criado por Dashiell Hammett e Alex Raymond em 1934. (Fonte: Davy Crockett's Almanack) |
Nesse período, as tiras de
jornal evoluem para revistas periódicas e álbuns, começando na maior parte das
vezes com temáticas humorísticas para depois abranger outros gêneros. Surgem os
primeiros exemplares da união – com características modernas- de texto e imagem
na China (manhuas), Tchecoslováquia, França, Bélgica e Alemanha. Com
a estreia de O Tico-Tico (1905), uma das primeiras revistas em quadrinhos
que não era uma simples compilação de tiras de jornal, o Brasil foi precursor
em relação a vários países.
No período, Popeye
(1929) estreou nas tiras antes de ir para o cinema, o Príncipe Valente (1934) explorou aventuras na época medieval, Flash Gordon (1934) viajava pelo
universo e o Fantasma (1936) foi o
primeiro combatente do crime a usar uma máscara. O fim dessa era foi o
surgimento do Superman em Action
Comics nº 1, e, por conseguinte, a gênese do gênero super-herói.
ERA
DE OURO
Período:
1938-1955.
![]() |
Edição número 7 de World's Finest (1942), série que juntava Batman e Superman (Fonte: Aparo Fan) |
Depois do sucesso de
Superman, os super-heróis conquistam o mundo e as revistas em quadrinhos entram
em escala industrial de tiragens e criatividade, com o surgimento de dezenas de
personagens. Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os supercombatentes do crime
adquirem conotação política enfrentando, além dos supervilões, as forças do
Eixo do Mal.
Mesmo em países sob a censura, como Itália e Espanha, os
quadrinhos alcançam enorme popularidade. Esta era termina com o declínio dos
super-heróis – com exceção de Batman e Superman-, o surgimento dos mangás no
Japão do Pós-Guerra e instituição de um código de censura aos quadrinhos nos
Estados Unidos.
ERA
DE PRATA
Período:
1955-1970.
![]() |
Astro Boy (1952), de Tezuka, infelizmente continua inédito no Brasil. (Fonte: Wikipedia English) |
Com o início da Guerra Fria
e, por conseguinte, da era atômica, a ficção científica faz sucesso no período, provocando a estreia de novas produções e a reformulação das antigas. O
mundo testemunha a estreia no Japão de Astro Boy (1952), do gênio Osamu Tezuka, faz viagens mirabolantes
com O Eternauta (1957), dos argentinos Héctor
Germán Oesterheld e Francisco Solano
López e o Brasil corre na contramão do pudor com os catecismos eróticos de Carlos Zéfiro. Nos Estados Unidos, os
super-heróis ganham um revival.
Uniformizados como Flash (1955) e Lanterna Verde (1959) são reformulados
e unidos a outros heróis na Liga da
Justiça (1960). E Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko geram para o mundo os “problemáticos” heróis da Marvel
Comics: Quarteto Fantástico (1961), Hulk (1962), Thor (1962), Vingadores
(1963) e Homem-Aranha (1962). A era
se conclui com a mudança de Jack Kirby para a National Comics (DC Comics) em 1971.
ERA
DE BRONZE
Período:
1970-1985.
![]() |
Métal Hurlant nº 6 (1975), com arte de Moebius. A edição traz na capa o Major Grubert, herói de A Garagem Hermética. ( Fonte: Li-An) |
Nessa era quem ditam as
regras são as celeumas sociais que afligem o mundo: Guerra do Vietnã,
dependência química, racismo, privação de liberdades individuais, feminismo.
Nos Estados Unidos, os quadrinhos foram se libertando aos poucos das amarras de
seu código de censura, enfocando dilemas reais em histórias que destacaram
personagens como Batman, Lanterna Verde e Homem-Aranha. Ao mesmo tempo, o mundo
onde os civilizados é que são os vilões garantiu o sucesso do personagem pulp Conan, o Bárbaro (1971), publicado pela Marvel, enquanto Harvey Pekar e Robert Crumb sacudiam o meio underground
com American
Splendor (1976), Fritz The Cat (1965) e Mr.
Natural (1967). No Japão, surge o shojo,
mangá voltado especialmente para as meninas.
Na França, Moebius, Jean-Pierre Dionnet e Philippe Druillet fundam a antologia de terror e ficção científica Métal
Hurlant (1974), que daria origem três anos mais tarde à famosa revista
estadunidense Heavy Metal. A era se conclui com a maxissérie Crise
Nas Infinitas Terras, que reescreveu os 50 anos de cronologia da DC
Comics.
ERA
DE FERRO
Período:
1985-2001.
![]() |
Sucesso independente, as Tartarugas Ninja estrearam em 1984, inspiradas nas HQs violentas e problemáticas de Demolidor e Novos Mutantes. (Fonte: MTV Geek) |
Dizem que os anos 1980 foram
a “década perdida”. Se assim o foram, como na música, eles renderam um bocado nos quadrinhos. Em tempos de Neoliberalismo e ditaduras desmoronando pelo planeta, as
HQs se viram povoadas de personagens agressivos, amorais e até em certo ponto, egoístas.
Nos Estados Unidos, a Invasão Britânica
revitaliza o terror e a fantasia em séries da DC Comics que desembocariam no
selo de quadrinhos adultos Vertigo
(1993) e Frank Miller (Batman: O Cavaleiro das Trevas) e Howard
Chaykin (Black Kiss, American Flagg) exploram a tensão política,
a violência e o sexo. Em 1992, surge a Image Comics e os quadrinhos estadunidenses sofrem com a crise causada pela Bolha
Especulativa, gerada especialmente pela exploração da arte em detrimento do
texto. No Japão, sexo e pancadaria viram mania com os gêneros Yuri e Yaoi e os shonens Dragon Ball (1984) e Cavaleiros do Zodíaco (1986). Na Itália, a Druuna (1985) de Paolo Eleuteri Serpieri seduz a Velha Bota
e no Brasil, Angeli, Laerte e Glauco são Los Três Amigos, reforçando a tradição
humorística nacional.
Em 2000, a Conrad
Editora comanda a invasão oficial dos mangás no Brasil e a Era de Ferro
chega ao fim, mas esta, ao contrário das outras, tem dia, mês e ano de seu desfecho:
11 de setembro de 2001.
ERA
MODERNA
Período:
2001
até os dias atuais.
![]() |
Imagem promocional da saga Fight Terror (2002) do Capitão América. Arte de John Cassaday. (Fonte: My Comic Shop) |
A tragédia dos atentados de
11 de setembro de 2001 em Nova York muda o enfoque dos quadrinhos,
especialmente os de super-herói e fantasia. O Capitão América deixou de se
esmurrar com o Caveira Vermelha para caçar a Al Qaeda, os X-Men vestiram preto
e se revelaram ao mundo abertamente, Warren Ellis fez os milhares de agentes da
Frequência Global (2002) caçarem terroristas, ditadores e executivos
inescrupulosos, enquanto Bill Willingham trouxe as Fábulas (2002) para a Nova York real. Num efeito que lembra a Era
de Ouro, saem os supervilões com colantes coloridos para entrarem os sisudos e mil
vezes cruéis vilões da vida real, na pele de terroristas, ditadores, serial
killers e o próprio crime organizado. O Brasil reaquece sua produção com
diversas adaptações de clássicos da literatura e os quadrinistas nacionais Mike Deodato e Ivan Reis alcançam o estrelato no mainstream estadunidense. São diversos os temas e os conceitos
criados a cada trabalho em diversos países e ainda não há um consenso sobre qual será
a marca desta era que –por enquanto- é chamada de Era Moderna.
Fonte
Fonte
- Colocando os pingos nos is em Desvendando Quadrinhos, Scott McCloud, Makron Books (1995);
- Conheça as Eras dos Quadrinhos em Pérolas para Porcos;
- As Eras dos Quadrinhos em República dos Quadrinhos;
- Comics By Country em Wikipedia (English).
Nenhum comentário:
Postar um comentário