Por Valdemar Morais
(Fonte: Universo HQ) |
Hoje, 30 de janeiro, é o Dia do Quadrinho Nacional e, para comemorar a data, Quadrinhos Clássicos apresenta um pouco da história e da importância de um dos títulos mais singulares das HQs no Brasil: a revista Spektro. A publicação, lançada pela editora Vecchi em 1977, foi resultado de um tiro no escuro dado pelo empresário Lotário Vecchi e o editor Otacílio D’Assunção Barros, o Ota, que buscavam aferir o gosto do público brasileiro com o objetivo de estabilizar a Vecchi no mercado. Depois do êxito da revista Eureka, com histórias de terror, a editora decidiu investir nesse gênero.
Ota tinha interesse desde o começo de fomentar a publicação com talentos nacionais, mas Vecchi não só preferia o licenciamento de produções estrangeiras – bem mais barato do que os salários de artistas locais- como também não tinha convicção no talento de roteiristas e desenhistas brasileiros. Assim, uma das primeiras séries negociadas no licenciamento foram as aventuras do Dr. Spektro, da editora estadunidense Gold Key. O personagem acabou dando nome à revista brasileira. Em seguida vieram outras HQs de terror, inclusive com tramas ilustradas por artistas famosos no gênero super-herói como Steve Ditko (cocriador do Homem-Aranha), John Byrne (X-Men, Superman) e Mike Zeck (Capitão América).
A Dr. Spektro estreou em preto e branco, editada em brochura, com surpreendentes 164 páginas e foi um sucesso. O público exigiu mais. E, na medida em que o material estrangeiro foi se acabando – especialmente havia poucas HQs do Dr. Spektro-, Ota passou a inserir o trabalho de artistas brasileiros, na busca de convencer Vecchi. O início dessa “invasão brasileira” começou com o retorno dos veteranos Flávio Colin e Júlio Shimamoto e a chegada dos talentos Watson Portela e Elmano “Mano” Silva, sendo estes dois grandes chamarizes da publicação. Luscar (ex-Pasquim), o prolífico Júlio Emílio Braz e o próprio Ota passaram a colaborar com os roteiros (este último sob pseudônimos como Juska Galvão, Osvaldo Pestana e Said Cimas).
Com o passar das edições, as HQs produzidas pelos brasileiros, que evitavam os clichês dos Estados Unidos e da Europa, substituindo vampiros, lobisomens e castelos romenos por mulas-sem-cabeça, exus e o sertão nordestino assolado pela seca, eram as que mais atraíam o público. Nascia uma era de grande identificação entre os quadrinistas e leitores do Brasil. Esta Spektro nº 20 (o “Dr.” se perdeu do título com o tempo) marca a primeira edição inteiramente brasileira. Nela, os quadrinistas, já reconhecidos e bem à vontade, deram vazão a vários personagens e séries que ficariam marcados na memória de muita gente.
A história Cilada Para a Besta-Fera traz o Trio Diabólico de Elmano Silva, com os personagens Sinhá Preta (baseada numa figura da infância do autor), o monstruoso Besta-Fera e o menino que se transformará em futuras edições no caçador de demônios Homem do Patuá, numa trama sobre uma sangrenta vingança contra um coronel e seus cruéis jagunços no sertão do nordeste. Já Jesuíno Boamorte, de Júlio Emílio Braz e Zenival Ferraz, também traz o tema da vingança, mas ambientado no Pernambuco de 1642, dominado pelos holandeses.
Jesuíno Boamorte contava a história de um português que voltava do além para se vingar dos algozes holandeses (Fonte: Doom Scans) |
Outra célebre HQ que estreou nesse número foi a série Hotel Nicanor, gerada no estilo terrir (terror com doses de humor) por Juska Galvão (Ota) e Flávio Colin. Em Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor, o público conheceu os perturbados e asquerosos visitantes do hotel, cujas estadias terminam em muita sanguinolência. Outro gigante como Colin, Júlio Shimamoto, ainda assinava uma HQ metalinguística em A História Que Shimamoto nunca se atreveu a contar!
Depois de promover esses nomes como ídolos da HQ nacional, a Spektro ainda traria à tona uma série de outros criadores como Cesar Lobo, Ofeliano de Almeida e Otto Dumovich, sempre com vendagens muito satisfatórias. Por volta de 1982, no entanto, a Vecchi se viu endividada após dados investimentos e com o atraso dos salários, começou a perder a equipe para a concorrência. Nem mesmo Ota escapou das demissões na época de crise e a estrutura que sustentava a Spektro foi desmontada.
Após algum tempo, o equilíbrio das finanças da editora retornou, mas aqueles anos de inflação galopante no Brasil puseram fim à trajetória da Vecchi e da própria Spektro. A revista ainda voltaria em edições esparsas nos anos 1990, mas sem repetir o sucesso. A Spektro, celeiro de grandes quadrinistas e símbolo do grande consumo do quadrinho nacional pelos brasileiros, foi um sucesso indiscutível por 28 números.
Infelizmente, as edições originais encontram-se ou esgotadas ou vendidas em sebos por preços exorbitantes. Seria não só uma maravilha ter essas geniais criações disponíveis em republicações como também seria um grande serviço à memória do quadrinho brasileiro. Fica a dica às editoras.
SPEKTRO Nº 20
Histórias: Cilada para Besta-Fera, Pacto Diabólico, O Olho do Gato, A História Que Shimamoto nunca se atreveu a contar!, A Arena da Perdição, Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor, A Noite do Lobisomem e outras.
Ano de Lançamento: 1981.
Editora: Vecchi.
Roteiro: Elmano “Mano” Silva, Cláudio Almeida, E.C. Cunha, Júlio Emílio Braz, Ubirajara Leal, Juska Galvão, E.C. Nickel e outros.
Arte: Elmano “Mano” Silva, Orestes de Oliveira Filho, Antonino Balieiro, Zenival Ferraz, Júlio Shimamoto, Flávio Colin, Watson Portela e outros.
Personagens: Sinhá Preta, Besta-Fera- O Filho de Satã, Espectro, Coriolano- O Cangaceiro, Trovoada, Jesuíno Boamorte e outros.
164 páginas
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