quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Spektro nº 20


Por Valdemar Morais



(Fonte: Universo HQ)



Hoje, 30 de janeiro, é o Dia do Quadrinho Nacional e, para comemorar a data, Quadrinhos Clássicos apresenta um pouco da história e da importância de um dos títulos mais singulares das HQs no Brasil: a revista Spektro. A publicação, lançada pela editora Vecchi em 1977, foi resultado de um tiro no escuro dado pelo empresário Lotário Vecchi e o editor Otacílio D’Assunção Barros, o Ota, que buscavam aferir o gosto do público brasileiro com o objetivo de estabilizar a Vecchi no mercado. Depois do êxito da revista Eureka, com histórias de terror, a editora decidiu investir nesse gênero.







Ota tinha interesse desde o começo de fomentar a publicação com talentos nacionais, mas Vecchi não só preferia o licenciamento de produções estrangeiras – bem mais barato do que os salários de artistas locais- como também não tinha convicção no talento de roteiristas e desenhistas brasileiros. Assim, uma das primeiras séries negociadas no licenciamento foram as aventuras do Dr. Spektro, da editora estadunidense Gold Key. O personagem acabou dando nome à revista brasileira. Em seguida vieram outras HQs de terror, inclusive com tramas ilustradas por artistas famosos no gênero super-herói como Steve Ditko (cocriador do Homem-Aranha), John Byrne (X-Men, Superman) e Mike Zeck (Capitão América).

A Dr. Spektro estreou em preto e branco, editada em brochura, com surpreendentes 164 páginas e foi um sucesso. O público exigiu mais. E, na medida em que o material estrangeiro foi se acabando – especialmente havia poucas HQs do Dr. Spektro-, Ota passou a inserir o trabalho de artistas brasileiros, na busca de convencer Vecchi. O início dessa “invasão brasileira” começou com o retorno dos veteranos Flávio Colin e Júlio Shimamoto e a chegada dos talentos Watson Portela e Elmano “Mano” Silva, sendo estes dois grandes chamarizes da publicação. Luscar (ex-Pasquim), o prolífico Júlio Emílio Braz e o próprio Ota passaram a colaborar com os roteiros (este último sob pseudônimos como Juska Galvão, Osvaldo Pestana e Said Cimas). 

Com o passar das edições, as HQs produzidas pelos brasileiros, que evitavam os clichês dos Estados Unidos e da Europa, substituindo vampiros, lobisomens e castelos romenos por mulas-sem-cabeça, exus e o sertão nordestino assolado pela seca, eram as que mais atraíam o público. Nascia uma era de grande identificação entre os quadrinistas e leitores do Brasil. Esta Spektro nº 20 (o “Dr.” se perdeu do título com o tempo) marca a primeira edição inteiramente brasileira. Nela, os quadrinistas, já reconhecidos e bem à vontade, deram vazão a vários personagens e séries que ficariam marcados na memória de muita gente. 

A história Cilada Para a Besta-Fera traz o Trio Diabólico de Elmano Silva, com os personagens Sinhá Preta (baseada numa figura da infância do autor), o monstruoso Besta-Fera e o menino que se transformará em futuras edições no caçador de demônios Homem do Patuá, numa trama sobre uma sangrenta vingança contra um coronel e seus cruéis jagunços no sertão do nordeste. Já Jesuíno Boamorte, de Júlio Emílio Braz e Zenival Ferraz, também traz o tema da vingança, mas ambientado no Pernambuco de 1642, dominado pelos holandeses. 
Jesuíno Boamorte contava a história de um português que voltava do além para se vingar dos algozes holandeses
(Fonte: Doom Scans)

Outra célebre HQ que estreou nesse número foi a série Hotel Nicanor, gerada no estilo terrir (terror com doses de humor) por Juska Galvão (Ota) e Flávio Colin. Em Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor, o público conheceu os perturbados e asquerosos visitantes do hotel, cujas estadias terminam em muita sanguinolência. Outro gigante como Colin, Júlio Shimamoto, ainda assinava uma HQ metalinguística em A História Que Shimamoto nunca se atreveu a contar!

Depois de promover esses nomes como ídolos da HQ nacional, a Spektro ainda traria à tona uma série de outros criadores como Cesar Lobo, Ofeliano de Almeida e Otto Dumovich, sempre com vendagens muito satisfatórias. Por volta de 1982, no entanto, a Vecchi se viu endividada após dados investimentos e com o atraso dos salários, começou a perder a equipe para a concorrência. Nem mesmo Ota escapou das demissões na época de crise e a estrutura que sustentava a Spektro foi desmontada. 

Após algum tempo, o equilíbrio das finanças da editora retornou, mas aqueles anos de inflação galopante no Brasil puseram fim à trajetória da Vecchi e da própria Spektro. A revista ainda voltaria em edições esparsas nos anos 1990, mas sem repetir o sucesso. A Spektro, celeiro de grandes quadrinistas e símbolo do grande consumo do quadrinho nacional pelos brasileiros, foi um sucesso indiscutível por 28 números. 

Infelizmente, as edições originais encontram-se ou esgotadas ou vendidas em sebos por preços exorbitantes. Seria não só uma maravilha ter essas geniais criações disponíveis em republicações como também seria um grande serviço à memória do quadrinho brasileiro. Fica a dica às editoras.



SPEKTRO Nº 20
Histórias: Cilada para Besta-Fera, Pacto Diabólico, O Olho do Gato, A História Que Shimamoto nunca se atreveu a contar!, A Arena da Perdição, Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor, A Noite do Lobisomem e outras. 
Ano de Lançamento: 1981. 
Editora: Vecchi. 
Roteiro: Elmano “Mano” Silva, Cláudio Almeida, E.C. Cunha, Júlio Emílio Braz, Ubirajara Leal, Juska Galvão, E.C. Nickel e outros. 
Arte: Elmano “Mano” Silva, Orestes de Oliveira Filho, Antonino Balieiro, Zenival Ferraz, Júlio Shimamoto, Flávio Colin, Watson Portela e outros. 
Personagens: Sinhá Preta, Besta-Fera- O Filho de Satã, Espectro, Coriolano- O Cangaceiro, Trovoada, Jesuíno Boamorte e outros. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Batman: O Cavaleiro das Trevas!


Por Valdemar Morais


Batman em arte famosa de Neal Adams,
seu mais célebre ilustrador.
(Fonte: Manga Sanctuary)

Nome Original: Batman.
Criadores: Bob Kane e Bill Finger (não-creditado).
Alter-egos: Bruce Wayne, Fósforos Malone.
Amigos: Alfred, Comissário Gordon, Robin, Asa Noturna, Batgirl, Batwing, Batwoman, Caçadora, Superman.
Inimigos: Coringa, Pinguim, Mulher-Gato, Duas-Caras, Charada, Sr. Frio, Bane, Espantalho, Ra’s Al Ghul.
Afiliações: Liga da Justiça, Renegados, Batsquad (Família Morcego). 
Primeira Aparição: Detective Comics nº 27 (1939)- DC Comics











O médico e empresário Thomas Wayne, ao lado de sua esposa, a assistente social Martha, eram muito além de mais dois ricaços que gastavam milhões em caridade. Eles eram legítimos cidadãos, que lutavam para tornar cada vez melhores os dias da sombria cidade de Gotham. A solidariedade, a busca pela justiça e pelo bem-estar das pessoas foram lições preciosas que eles fizeram questão de passar não só aos gothamitas, mas especialmente ao filho deles, Bruce.

A vida tranquila e feliz dos Wayne mudaria para sempre numa noite de cinema, na saída de uma empolgante exibição de A Marca do Zorro. Ao pegarem um atalho por um beco, Thomas, Martha e Bruce foram abordados por um assaltante. Thomas reagiu e foi baleado. Assustado pelo grito de Martha, o bandido também a silenciou com um tiro, deixando para trás o pequeno Bruce que, traumatizado, jamais seria criança novamente.

Acolhido pelo fiel mordomo Alfred Pennyworth e pela Dra. Leslie Thompkins, Bruce decidiu que ninguém merecia passar pela dor que ele passava. Naquela noite fatídica, ele jurou combater o crime e a injustiça para o resto de sua vida. Para isso, viajou o mundo, usando de sua vultosa fortuna para se aperfeiçoar nas maiores técnicas de combate, tecnologia e investigação, preparando o corpo e a mente. Aos 25 anos, Bruce retornou para Gotham, decidido a cumprir sua promessa. No entanto, percebeu que antes de confrontar os criminosos, primeiro era preciso intimidá-los. 


Cena de Batman: Ano Um, que narra a origem do herói:
quando Bruce Wayne encontra o Morcego, nasce o Batman. 
Arte de David Mazzucchelli.(Fonte: Adherents)


Inspirado nos morcegos que infestavam sua mansão e que o aterrorizavam quando garoto, Bruce confeccionou para si – com a ajuda devotada de Alfred- um traje especial com capa e capuz, que o transformava num morcego humano. A partir de então passou a combater os crimes nas ruas de Gotham City sob a alcunha de Batman, o Cavaleiro das Trevas


Batman e Robin em pintura de Alex Ross inspirada
em arte original de Bob Kane.

(Fonte: Cinema e Vídeo)

Em sua cruzada pela Justiça, Batman nem sempre foi bem-visto pelas instituições públicas, em especial a Polícia, mas sempre contou com o apoio de James Gordon, um tira honesto numa cidade corrupta, que graças à sua aliança com o vigilante, foi alçado de tenente a comissário de polícia. Algum tempo depois, Bruce Wayne se compadeceu do jovem trapezista Dick Grayson, que assim como ele, testemunhou a morte dos pais, igualmente assassinados. Quando o esperto garoto descobriu seu alter-ego, passou a combater o crime ao seu lado sob a identidade de Robin





Embora prefira manter-se nas sombras da maioria das vezes e seja avesso a intimidades, Batman acabou atuando junto com outros heróis. Membro do primeiro escalão da Liga da Justiça, várias vezes foi a astúcia e a inteligência do Cavaleiro das Trevas que conseguiram coordenar os poderes de Superman, Mulher-Maravilha, Flash e companhia nas vitórias contra diversas ameaças. Em dado momento, no entanto, a equipe se recusou a invadir um país dominado por um golpe político e onde corria perigo Lucius Fox, executivo das Indústrias Wayne. Para salvar o amigo, Batman rompeu com a Liga, reuniu um grupo de heróis menores como Metamorfo, Katana, Geoforça, Raio Negro e Halo e fundou os Renegados. Ele atuou como líder da equipe por algum tempo após o sucesso dessa aventura. Durante o período em que a cidade de Gotham foi reduzida a ruínas por um terremoto, a associação de Batman, Robin (Tim Drake), Asa Noturna (o ex-Robin Dick Grayson), Batgirl (Cassandra Cain), Azrael e Caçadora forjou o grupo Batsquad (ou Família Morcego, como é chamada atualmente), gerado para agir em graves crises contra a cidade. 

Concentrado em suas missões, Bruce Wayne nunca se preocupou em ter uma vida pessoal, definindo sua imagem pública como a de um herdeiro inconsequente e bon-vivant apenas como um disfarce. Porém, depois de uma improvável aliança com seu inimigo Ra’s Al Ghul, o herói se rendeu aos encantos de Tália, filha do vilão e uma eterna apaixonada por Batman. Da união dos dois nasceu Damian, criado escondido do pai até os dez anos e dono de um temperamento sanguinário e audacioso que Batman tenta a todo custo demover. Atualmente, Damian luta ao seu lado usando o manto de Robin.


Batman e seu filho,
o violento e imprevisível Damian.
Arte de Andy Kubert em

Batman nº 656 (2006).
(Fonte: Comicvine

Tecnicamente, Batman não poderia ser considerado um super-herói, pois não possui superpoderes. Contudo, mais de uma dezena de vezes suas habilidades acima da média se revelaram decisivas em vitórias contra vários adversários poderosos. Além do intelecto genial, do físico atlético, a perícia no combate corpo-a-corpo e a mestria em fugas e disfarces – sendo o do bandido Fósforos Malone o mais utilizado-, Batman conta com uma série de equipamentos que incluem veículos (como o Batmóvel e Batplano), recursos logísticos como um supercomputador (com mapas, planos e fichas de criminosos do mundo inteiro) e um completo laboratório de criminalística e dispositivos como batarangues (bumerangues em forma de morcego), cordas, cabos, cápsulas de gás e até kryptonita, tudo alocado no seu famoso cinto de utilidades.  






Fonte:

  • Batman em Batman- A Trajetória.
  • Dossiê Batman em Revista Mundo dos Super-Heróis nº 3, Editora Europa (2006).

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Homossexualidade nos Quadrinhos: Um tema intocável?


Por Valdemar Morais

Em junho de 2012, a organização One Million Moms (Um Milhão de Mães) promoveu um boicote às editoras Marvel e DC Comics, por retratarem relacionamentos homossexuais em suas revistas. Como publicado em matéria da revista Mundo dos Super-Heróis nº 34, em 06 de junho, a segunda edição da revista Earth 2 da DC trazia Alan Scott, o Lanterna Verde original, criado em 1940, assumindo sua homossexualidade na nova cronologia da editora, Os Novos 52. Uma notícia que gerou repercussão em diversos meios de comunicação, causando inclusive errôneas e vergonhosas reportagens. Duas semanas depois, em evento já muito aguardado, a Marvel publicou Astonishing X-Men nº 51, estampando na capa o casamento do herói mutante Estrela Polar e seu parceiro Kyle. 


O casamento de Estrela Polar e Kyle já era aguardado...
(Fonte: Elite Comics)









...já a revelação de Alan Scott pegou muita gente de surpresa
(Fonte: O Idiota Feliz)
















As mães do referido grupo alegavam que o conteúdo dessas publicações poderia influenciar na orientação sexual de seus filhos e tentaram convencer o público a não comprar as revistas. Resultado? Uma enxurrada de comentários apoiando a iniciativa das editoras que desembocou na saída do ar da própria página do One Million Moms no Facebook. 

Apesar dessa repercussão, personagens homossexuais nos quadrinhos não são propriamente uma novidade. Nos anos 1920, quadrinhos franco-belgas já traziam a temática nas entrelinhas, que o diga Tintim, de Hergé, cuja sexualidade é motivo de especulações até hoje, em função da quase inexistência de personagens femininos em seus 24 álbuns. 

Zetsuai 1989 é um exemplo
de mangá Yaoi
(Fonte: Manga Park)
No Japão, os mangás do gênero Yaoi  e Yuri desde os anos 1970 trazem histórias de variados temas, nas quais homens ou mulheres se relacionam com pessoas do mesmo sexo, embora não se declarem gays. Na mesma época, no Brasil, Henfil (com Fradim) e Henrique Magalhães (com a tira Maria) provocavam a ditadura militar com seus heróis homoafetivos.

A partir de 1980, Nazario Luque e Ralf König, quadrinistas assumidamente gays, movimentaram a HQ underground na Espanha e na Alemanha, respectivamente. E nos Estados Unidos, desde a vilã Sanjak de Terry e Os Piratas até o casal de super-heróis Apolo e Meia-Noite, uma variedade de figuras (veja abaixo), positiva ou negativamente, marcaram a história do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros)  nas HQs. 




Apesar disso, a polêmica permanece: é cabível apresentar personagens homossexuais nos quadrinhos? Trata-se de um meio válido de promover o debate ou mero marketing? Para o ilustrador Eduardo Menezes, de 28 anos, o tema é aberto a discussão em qualquer área e com as HQs não seria diferente. “Acho que isso abre discussões saudáveis e esclarecimentos sobre alguns temas tabus pra sociedade e os quadrinhos sempre foram de alguma forma um veículo pra abordagem de temas polêmicos”, opinou.

O estudante e leitor Bruno Duarte, 20, também apoia essas iniciativas, mas critica a exploração mercadológica sobre elas: “O errado na inclusão de homossexualidade nos quadrinhos é a balbúrdia com que tratam o assunto, e a intenção que as editoras têm em querer promover suas vendas somente por causa disso. Uma HQ é boa quando tem uma história boa, com homossexuais atuando nela ou não.”, argumentou.

No ponto de vista do advogado e fã Zorbba Igreja, 32, a contribuição das HQs para o Movimento Gay ao retratar personagens homoafetivos no âmago de suas tramas tem caráter digno. “A existência de heróis homossexuais pressupõe a existência de um grupo de leitores homossexuais que gostariam de se ver representados em um universo fantástico”, afirma Igreja, que emenda: “Pensar que o tema acima é intocável em qualquer âmbito é retrocesso dos direitos civis e um passo ao retorno à idade das sombras. As HQs nesse ponto deram um passo importante para a construção de um discurso igualitário onde ninguém deve temer por sua cor, credo, gênero ou orientação sexual”.

Protagonizando ou apenas no background das histórias, parece mesmo que no mundo das HQs, os super-heróis gays chegaram para valer, seja para o deleite dos leitores ou das editoras que os publicam. 


FORA DO ARMÁRIO- Conheça alguns personagens gays das HQs
Hulkling e Wiccano no traço de Jim Cheung
(Fonte: OC Weekly)
O Colossus Ultimate demorou um pouco, mas assumiu sua orientação.
(Fonte: Fanpop)

Anarcoma estreou na revista Rampa, em 1978, mas só 1983 teve seu álbum próprio 
(Fonte: 
Nazario Luque)

Caio foi o primeiro personagem possivelmente gay numa HQ brasileira de grande circulação
(Fonte: 
Folha Online)

Estrela Polar e sua equipe, a Tropa Alfa, estrearam como adversários dos X-Men
(Fonte: 
New Comics Day)
Sina, à esquerda, e Mística fizeram parte da segunda Irmandade de Mutantes, vilões dos X-Men
(Fonte: 
Journey Into Awesome)

Extraño foi um herói tão mal elaborado que nem o Movimento Gay o tolerou
(Fonte: 
Comicvine)

Apolo e Meia-Noite, antes de Os Novos 52, por Bryan Hitch
(Fonte: 
The Nerds Uncanny)

A nova Batwoman estreouna edição 10 da minissérie 52
(Fonte: Omelete)



Fonte