quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O Mestre Esquecido: Alex Toth



Por Valdemar Morais


Alex Toth, anos 1970
(Fonte: Comicvine)

“É a melhor história em quadrinhos de todos os tempos!”, afirmou o roteirista e editor Jerry DeFuccio (1925-2001). O célebre desenhista Gil Kane (1926-2000), ao ler a HQ F-86 Sabre Jet, escrita por Harvey Kurtzman, editor da lendária EC Comics, admitiu que aquela era uma história em quadrinhos que “chegara a um patamar nunca antes alcançado na narrativa gráfica”. O autor dos vigorosos e limpos traços da aclamada trama, Alex Toth, foi bem direto ao julgar seu trabalho: “Poderia ter sido melhor”. É o que relata o quadrinista Mário Latino em seu artigo Alex Toth: o gênio incompreendido.

Artista arrogante, amante inveterado das HQs, ícone das animações. São muitas as alcunhas que definem Alexander Toth – pronuncia-se “tôlss”-, mas não há dúvidas que, ainda que pouco seja lembrado, a influência que exerceu para indústria das HQs nos Estados Unidos e as animações em todo o mundo é perceptível até hoje.

De origem húngara, Alex nasceu em Nova York, em 25 de junho de 1928, filho de Mary Elizabeth, dançarina e desenhista, e Sandor Toth, músico, pintor, ator e dramaturgo. Apesar das várias atividades, Sandor mantinha a duras penas o apartamento humilde na região de Yorkville. Alcoólatra, ele se rendeu ao vício e abandonou a mulher e o filho ainda garoto. 

Apesar disso, Sandor deixou para Alex um hobby fundamental: a leitura de tiras de jornal. O menino, desde os três anos de idade, se encantou com as aventuras narradas em séries como Terry e Os Piratas, de Milton Caniff e Flash Gordon, de Alex Raymond. Movido por essa salada de aventuras ao desejo de contar histórias através de desenhos, Alex Toth, ainda bem jovem, escolheu sua profissão: desenhista de tiras de jornal.

Scorchy Smith, criada por John Terry,
 se tornou cult com Sickles
(Fonte: Library of American Comics)
Até alcançar o domínio sobre o desenho, Alex Toth treinou exaustivamente sob o estilo de Noel Sickles, autor da tira Scorchy Smith e um artista cuja influência declaradamente marcou a evolução de Toth como quadrinista. “O que eu aprendi com Sickles... Foi valorizar as noções de massa, linha, clareza, padrão, perspectiva, momento dramático, luz e sombra, o positivo e o negativo das silhuetas, perfis e, sobretudo, trabalhar a tensão” (em livre tradução), declarou Toth em seu artigo no Buyer’s Guide, em 1977. 

Levado por um professor que notou seu talento, Toth, aos 13 anos, cursou a High School of Industrial Arts, onde aprimorou suas habilidades e saiu já como profissional em 1944. 


A grande estreia ocorreu na edição 32 da revista Heroic Comics, da Eastern Color Printings, um ano depois. Apesar desse primeiro trabalho, no qual produziu a ilustração de um conto e uma HQ curta de guerra, Alex Toth não conseguiu – pelo menos àquela época- realizar seu sonho de desenhar tiras. Naquele período elas estavam em declínio e os jornais não davam mais tanto espaço a desenhistas. O jeito foi buscar renda e realização na sensação do momento: os quadrinhos de super-heróis.



Nivelado por baixo
All-Star Comics nº 37:  Toth encontra
os super-heróis 
(Fonte: Bully's Comics)

Em 1947, depois de várias HQs produzidas para a Eastern e uma tentativa infrutífera de incrementar a renda alistando-se na Marinha – foi rejeitado por ter uma espécie de daltonismo-, Toth foi contratado por Sheldon Mayer para trabalhar na National Comics (futura DC Comics). O início de Toth na casa foi ilustrando duas partes de uma HQ da Sociedade da Justiça em All-Star Comics nº 37, seguida pela aventura em 12 páginas The Tricks Of The Sportsmaster (Os Truques do Mestre dos Esportes), publicada em Green Lantern nº 28, revista própria do Lanterna Verde.

Toth trabalhou por cinco anos na National, desenhando, além de Lanterna Verde e Sociedade da Justiça, diversas HQs de faroeste e romance, sempre demonstrando interesse em experimentar variados gêneros. 




Apesar do período considerável na editora, o artista, um perfeccionista por natureza, especialmente no que tangia à sua arte, detestava seus habituais colegas responsáveis pelo argumento das tramas. A seu ver, eles não passavam de refugo dos velhos pulps que nada entendiam da lógica da HQs e entregavam roteiros fracos, longe de estarem à altura de seus dotes artísticos e dedicação.

Seu traço limpo e elegante, especialmente nas tramas de ficção científica, faroeste e romance, fez sucesso, o que rendeu-lhe o convite de seus sonhos: ilustrar uma tira de jornal. A série era Casey Ruggles, criada por Warren Tufts. O interesse de Toth foi tamanho que ele se mudou para San José, na Califórnia, onde residia Tufts. Segundo matéria do jornalista Maurício Muniz na edição 26 da revista Mundo dos Super-Heróis, foi nessa cidade também que Alex Toth conheceu sua primeira esposa, Christina.

Contudo, as ideias de Tufts e Toth não se coadunavam e o desenhista voltou para Nova York no fim do mesmo ano de 1950, casado. Contatado por Harvey Kurtzman, da EC Comics, Toth também criou HQs de guerra, dentre as quais se destaca F-86 Sabre Jet, publicada em Frontline Combat nº 12 (1953). Em 1954, seu grande sonho tornou a acenar para ele com o chamado para trabalhar na tira de jornal que adaptava Dragnet, um seriado policial que era o sucesso da época. Porém, sua contribuição na tira acabou interrompida por outra surpreendente convocação: alistar-se no exército para ser enviado ao Japão e combater na Guerra da Coreia.

Primeira página de F-86 Sabre Jet!, HQ de Toth que narra  a agonia de um piloto na Guerra da Coreia (Fonte: Space In Text)

Guerra e Duelos de Espada

Alocado em trabalhos administrativos, Toth mesmo assim não interrompeu sua produção, criando HQs para editoras como Lev Gleason, Charlton e Atlas (futura Marvel Comics), enviando suas páginas para os Estados Unidos pelo correio. Em 1956, Alex Toth deu baixa no exército e voltou para os Estados Unidos, com planos de financiar, através de suas HQs, um curso de design no Centre School Of Design. Contudo, Toth encontrou o país mergulhado numa paranoica campanha difamatória contra os quadrinhos, promovida pelo psiquiatra Fredric Wertham. A saída para o artista foi se empregar na Dell Comics, uma editora que publicava quadrinhos insípidos e ainda pagava mal seus colaboradores.



Edição encadernada de HQs de Zorro assinadas por Toth
(Fonte: Pencilink)

Na Dell, Toth chamaria atenção outra vez na revista Four Color, ao fazer a adaptação de um dos episódios da série Zorro, produção da Disney estrelada por Guy Williams. A edição foi um sucesso e foi seguida de mais episódios transpostos para a Nona Arte pelas mãos talentosas de Alex Toth. 






Grandes Heróis Hanna-Barbera

Batalhando duramente para se sustentar, Alex Toth descobriu, em 1960, um novo e promissor campo de trabalho que outros grandes quadrinistas como Jack Kirby, Steve Gerber e Gerry Conway só descobririam anos depois: a animação. Além de mais valorizados, os artistas ganhavam bem melhor nos estúdios de desenhos animados do que nas editoras de quadrinhos.

Naquele ano, Toth foi convidado para trabalhar como diretor de arte de O Anjo do Espaço (Space Angel), série animada produzida pelo Cambria Studios. Junto com o ex-colega Warren Tufts e o competente desenhista Doug Wildey, Toth elaborou o visual dos personagens e do desenho como um todo. Trabalho demorado, O Anjo do Espaço só estreou em 1962, quando Alex Toth já havia se desligado do projeto, mais uma vez por se desentender com seus companheiros de trabalho.

Jonny Quest, design de Doug Wildey 
com uma mãozinha de Toth
(Fonte: Jornália do Ed)
A experiência, apesar de tudo, agradou a Toth. E quando Doug Wildey o chamou para trabalhar num novo projeto de animação, o artista não perdeu tempo. Sob a batuta do estúdio Hanna-Barbera, eles produziram Jonny Quest.

Concomitantemente à produção de Jonny Quest, Toth elaborou outros projetos para o estúdio, sendo o mais famoso deles Space Ghost






Sob a pena de Alex Toth, a partir daí, foram concebidos diversos clássicos da animação, sempre com um pé no mundo dos super-heróis: Homem-Pássaro, Galaxy Trio, Os Quatro Fantásticos, Moby Dick, Poderoso Mightor, O Jovem SansãoShazzan, Os Herculoides (todos em 1967) e Superamigos (1973), clássico desenho da Liga da Justiça.



Estudos de personagens feitos por Alex Toth: Space Ghost...
(Fonte: Cartoon Concept Design)

...e em sentido horário: Poderoso Mightor, Shazzan, o leão Golias (de Jovem Sansão), Herculoides e Sansão (Fonte: Cartoon Concept Design)

Embora Toth seja mais referenciado por ter criado todos esses personagens, o quadrinista Mário Latino alega em seu artigo que o artista achava medíocres os seus conceitos. Sua intenção ao elaborá-los, com vários esboços mostrando sua tridimensionalidade e abrindo espaço para um aprofundamento de suas psiques, foi engolfada pela proposta do estúdio de fazer animações despretensiosas e apenas divertidas para as crianças. 

Aventurando-se em outras fronteiras

O trabalho com animação não impediu Toth de praticar a boa e velha narrativa em quadros, assinando HQs na Marvel e DC Comics. Na Warren Publishing, fez HQs de terror para as clássicas revistas Eerie e Creepy e, ao lado do roteirista Archie Goodwin, concebeu a história Survival, um libelo contra a Guerra do Vietnã lançado na revista Blazing Combat.

O ano de 1968 foi marcante sob vários aspectos para o mundo e para Alex Toth, não foi diferente. Depois de 18 anos de união, ele se divorciou de Christina para se casar com Guyla Avery, secretária do produtor e diretor William Hanna, que ele havia conhecido na Hanna-Barbera Productions. Guyla seria definitivamente a mulher de sua vida. 

Bravo For Adventure é talvez o material mais autoral de Alex Toth
(Fonte: Comix Connection)
Em 1970, Alex Toth recebeu uma proposta de Jean-Pierre Dionett, ícone dos quadrinhos franceses. Dionett oferecia a Toth a chance de fazer um álbum autoral destinado ao público europeu. O artista aceitou e produziu a história Bravo For Adventure, protagonizada pelo piloto mercenário Jesse Bravo, uma homenagem de Toth a alguns elementos de sua infância, em especial o ator Errol Flynn. No entanto, o texto fraco impediu a publicação da obra na Europa e ela só veria a luz do dia em 1980, por iniciativa da editora Warren.




A série Torpedo 1936 foi outra série com foco no estrangeiro que teve contribuição de Alex Toth, lançada em 1981 na edição 32 da versão espanhola da Creepy. Com texto de Enrique Sanchez Abuli e arte de Totha violência e o humor negro da HQ assustaram o desenhista, que abandonou Torpedo 1936 logo após a segunda história.



O fim de seu mundo

Embora tenha trabalhado praticamente durante toda a vida para a National Comics – DC Comics a partir de 1976-, Alex Toth só lidou com as pratas da casa em apenas duas ocasiões. Em 1974, sob texto de Archie Goodwin, velho colega da editora Warren, ilustrou Batman na aventura Death Flies The Haunted Sky (A Morte Voa no Céu Assombrado), lançada em Detective Comics nº 442. Em Superman Annual nº 9 (1983), assinou 30 páginas narrando uma aventura que unia o Homem de Aço e o Cavaleiro das Trevas contra a vilania de Lex Luthor.

De fins dos anos 1970 até a metade da década de 1980, a produção de HQs de Alex Toth cresceu em volume, mas, infelizmente, não por vontade do autor. Guyla, sua esposa, foi diagnosticada com câncer e os custos do tratamento eram severos. Durante a batalha contra a doença, fosse para ajudar no pagamento desses custos ou apenas para tentar se aliviar do clima pesado em que vivia, Toth fez diversos trabalhos para a DC em histórias de Lanterna Verde, Canário Negro e Desafiadores do Desconhecido.

Pin-up de Madman, criação de Mike Allred, 
feita por seu ídolo Alex Toth
(Fonte: Tumblr Alex Toth)
Em 1985, Guyla Toth morreu e a vida de Alex veio abaixo. O autor abandonou o trabalho e se tornou antissocial, passando os dias em casa, isolado, vendo filmes antigos, fumando muito, fazendo desenhos esporádicos e escrevendo artigos para revistas especializadas. Em seus textos mais raivosos, seu alvo predileto eram os editores de HQs, a quem culpava pelo que classificava como uma queda na qualidade dos quadrinhos. Só dois motivos o arrancavam de casa nas poucas vezes em que saía em público: ir ao médico e participar de convenções de quadrinhos, onde desenhava pin-ups a pedido de fãs e aproveitava para destilar seu veneno contra profissionais do meio. 






Mesmo grandes artistas da nova geração e fãs declarados de sua obra como Mike Allred e Steve Rude, que até mantiveram por algum tempo uma boa relação com o mestre, não escaparam da rabugice de Alex Toth. A perda de Guyla aparentemente fez com que Toth recusasse qualquer tipo de apreço das outras pessoas, fossem fãs, colegas ou pessoas comuns. 



Fim emblemático

Retrato de Alex Toth pelo desenhista Michael Netzer
(Fonte: Michael Netzer)
Nos anos seguintes, poucos foram os trabalhos oficiais de Toth, como a capa da edição 4 da minissérie Batman Black And White, de 1996 e a do álbum Plastic Man Archives, de 1998, compilando aventuras clássicas do herói Homem-Borracha. No mesmo período, seus trabalhos mais expressivos durante a carreira foram republicados por diversas editoras como a Eclipse, Image e Dark Horse Comics. 

Depois de anos de abuso com o fumo, a saúde de Alex Toth começou a cobrar o preço. No fim de 2005, precisou ser internado e, além de descobrir os previsíveis problemas pulmonares, foi diagnosticado com transtorno bipolar. Estava explicado o comportamento errático de toda uma vida. 

O fim estava próximo e ele não poderia ser mais emblemático em se tratando desse artista. Na tarde de 27 de maio de 2006, Alex Toth trabalhava num desenho quando sofreu um ataque cardíaco fulminante. O quadrinista faleceu no ato de sua arte, debruçado sobre a prancheta e segurando seu lápis. Considerado um gênio da narrativa no porte de Jack Kirby e Will Eisner, Alex Toth foi premiado com o Inkpot Award em 1981 e incluído no Jack Kirby Hall Of Fame, o Olimpo dos quadrinistas, em 1990. Seja nas HQs, seja nos desenhos animados, o legado de Alex Toth está aí para todo mundo ver.


Homenagem do artista Alex Ross aos heróis Hanna-Barbera. A maioria, não por acaso, saídos da prancheta de Alex Toth (Fonte: The Dork Review)

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