quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Soc! Tum! Bang! E a Linguagem das HQs

Por Valdemar Morais



O ato parece bem simples: olho no texto, olho na imagem, e assim se repete até a conclusão da história. Nos quadrinhos, a união de texto e imagem é um dos aspectos que torna esse meio de comunicação dono de características únicas. Somados a recursos estéticos e literários, esses dois elementos podem causar diversas emoções no público leitor, seja o riso, o choro ou o asco.

São os mesmos recursos que, em função do hábito da leitura, praticamente as pessoas comuns passam batido e acabam dando pouca ou nenhuma importância, o que, em relação aos fãs já calejados e aos criadores, é justamente o contrário. Durante sua evolução através dos anos, a arte sequencial, embora tenha seguido por caminhos naturalmente diversos em cada continente, moldou sua própria linguagem, com termos e ícones decerto convencionados.

Will Eisner (1917-2005), considerado o Papa dos Quadrinhos, corrobora esse ponto de vista em sua seminal obra, Quadrinhos e Arte Sequencial: “As histórias em quadrinhos comunicam numa ‘linguagem’ que se vale da experiência visual comum ao criador e ao público. Pode-se esperar dos leitores modernos uma compreensão fácil da mistura imagem-palavra e da tradicional decodificação do texto”.

Como em qualquer forma de comunicação, a linguagem das HQs é o canal para a transmissão da mensagem e é com o pleno entendimento dela que se evitam os chamados “ruídos” entre criadores e público, possibilitando a vivência completa das emoções que os escritores tencionam gerar nos fãs.

Conheça alguns dos termos da específica linguagem das HQs.




SPLASH PAGE
Exemplo de uma splash page com
quatro quadros. Arte de Neal Adams
para a revista
Detective Comics nº 404 (1970)
(Fonte: Diversions Of The Groovy Kind)

Atualmente, há quem diga que seja um quadro de página inteira. No entanto, a princípio, esse termo caracteriza a página que traz o início de fato da história, incluindo inclusive o título, a logo do personagem caso haja e os créditos. Comumente, a splash page tem no máximo dois quadros.

















ENQUADRAMENTO

Frank Miller usou à exaustão a
proximidade entre HQ e cinema nos
enquadramentos.
Arte de Miller para
Daredevil nº 172 (1981)
(Fonte: Dan Perez Films Tumblr)

Os quadros ou quadrinhos ganham profissionalmente a nomenclatura de enquadramento. Neste quesito, as HQs se assemelham demais ao cinema, pois o que acontece no quadro é justamente aquilo que se quer que o espectador, no caso o leitor, veja. A similaridade é visível inclusive nos roteiros dos escritores, que utilizam tomadas típicas do cinema como o close-up, o plano médio, plano aberto, entre outros, para esclarecer exatamente o que quer que o desenhista crie.




















A semelhança dos balões com uma espécie de fumaça
foi o que batizou a Nona Arte na Itália,
onde é conhecida como
fumetti. Arte de Galep para
Tex nº 29 (1962)
(Fonte: Críticas Texianas)
BALÃO DE FALA, PALAVRAS OU BALÃO

É a figura oval – mas que também pode ser quadrada ou retangular- que traz em si o que cada personagem fala.

RABICHO OU SETA
O rabicho ou seta é uma proeminência que salta do balão e orienta o leitor para que ele saiba qual personagem está falando.











BALÃO DE SUSSURRO

O balão de sussurro pontilhado é mais comum
nas tiras. Arte de Lorenzo Kafer para a tirinha
Progresso, de 6 de janeiro de 2012.
(Fonte: Putztironas)

É um balão semelhante ao de fala normal, mas cuja linha se apresenta pontilhada, simbolizando que o personagem em questão fala baixo, sussurra. Nos quadrinhos modernos, é mais comum utilizar a técnica de diminuir o tamanho da tipografia.













BALÃO DE PENSAMENTO

Exemplo de balão de pensamento na edição
107 de Superman's Girlfriend Lois Lane (1971).
Arte de Ross Andru.
(Fonte: Comic Book Resources)

O balão de pensamento, como o próprio nome diz, expõe o que se passa pelas cabeças dos personagens. Para isso, substitui a seta por uma sequência de bolhas que se liga à cabeça de quem está pensando. Atualmente, os balões de pensamento estão praticamente extintos, com os escritores preferindo o uso dos recordatórios para dar um ar mais intimista junto aos leitores.













BALÃO DE EXPLOSÃO


Balão de explosão em tira de Os Sousa (1968-1989)
uma das poucas séries de viés adulto de Maurício de Sousa.
A série ganhou uma republicação em 2010 pela editora L&PM.

(Fonte: Blog dos Quadrinhos)

Elaborado para indicar volume/estresse ou uma transmissão de rádio ou de telefone, o balão de explosão – ou balão elétrico- tem uma constituição estilo “porco-espinho”. Assim como o balão de pensamento, tem caído em desuso, sendo substituído por onomatopeias estilizadas (no caso das explosões) ou por balões de fala com setas em forma de raio (no caso de transmissões eletrônicas).




LEGENDA OU RECORDATÓRIO

A minissérie Watchmen tem sua trama praticamente
toda conduzida pelos recordatórios. 

Em especial, os que
simulam o diário do personagem Rorschach.
Arte de Dave Gibbons para
Watchmen nº 1 (1986)
(Fonte: Quadrinhos de Super-Heróis)
Encontradas em qualquer lugar da tomada (enquadramento), a legenda ou recordatório são frases ou fragmentos de frases, abrigadas por retângulos, que tem múltiplos usos. Podem indicar um lugar, uma mudança de tempo no decorrer da trama ou, como é utilizada em larga escala atualmente, um meio para os comentários/pensamentos dos personagens à disposição do leitor. Na Língua Portuguesa, o termo recordatório é mais comum porque era usado em publicações antigas para recapitular eventos anteriores à história a ser lida.














ONOMATOPEIA
O poderoso soco do Superman da Terra 2 salta das páginas 
e aniquila o vilão Antimonitor em cena de Crise Nas Infinitas Terras nº 12 (1986).
Arte de George Pérez.
(Fonte: Antimonitor HQs) 

Um dos elementos mais distintos das histórias em quadrinhos, essa figura de linguagem tem papel fundamental na compreensão de sons e emoções nas histórias, aparecendo nos quadros na forma de palavras que simulam esses efeitos em letras garrafais. Praticamente há centenas delas e frequentemente variam de um país para outro. 





QUADRO DE PÁGINA INTEIRA


Página da graphic novel
Silver Surfer: Judgement Day (1988).
Publicada no Brasil em
Graphic Marvel nº 9,
obra é toda feita em quadros de página inteira.
Arte de John Buscema.

(Fonte: Marvel 1980s)


Evidentemente, é um enquadramento cujos elementos ocupam a página inteira. Geralmente, são elaborados com o intuito de enfocar cenas de grande impacto, por isso tanto podem ser usados no interior da revista, graphic novel ou álbum como também tem a faculdade de serem usados como capas. Hoje em dia, já existem quadros de páginas duplas e até quádruplas.









HISTÓRIA
A história é justamente uma narrativa que é apresentada de forma integral, com início, meio e fim.



ARCO DE HISTÓRIA
Arcos de história, termo oriundo das séries de TV, são mais comuns em séries regulares (quinzenais ou mensais). Refere-se a uma trama que se desenvolve em sucessivas histórias até chegar à sua definitiva conclusão. Frequentemente, após o fim de sua publicação, todas as edições são compiladas num único volume, o encadernado. 



FLASHBACK

A coloração diferente dos quadros denuncia: Batman está vivendo
mais uma vez a trágica morte de seus pais.
Arte de Jim Lee para
Justice League nº 11 (2012).
(Fonte: Tessatechaitea)

Recurso extraído da Literatura, o flashback é a apresentação de fatos que ocorreram antes da ação principal da história. Segundo o veterano editor e escritor Denny O’Neil, autor do Guia Oficial DC Comics-Roteiros, o uso repetido do flashback deve ser evitado e orienta que esse recurso deve ser usado “apenas quando a lógica da história exige – quando um personagem precisa de lembrar de algo que tem uma ligação direta no que está acontecendo com ele, por exemplo”. O escritor também esclarece que evidenciar ao leitor que o que se mostra é um flashback, algo do passado, ainda que com uma mera flexão de verbo, é importantíssimo. Outras formas de se explicitar os flashbacks são o arredondamento das arestas dos quadros ou uma colorização diferenciada dos mesmos. Mais raro que o flashback, o flashforward, seu inverso, também segue as mesmas regras estilísticas. 





As linhas de ação enchem de vida
a capa da histórica 

The Avengers nº 4 (1964).
Arte de Jack Kirby.

(Fonte: JHU Press Blog)




LINHAS DE AÇÃO


São linhas elaboradas pelo desenhista para demonstrar movimento e impedir que nos quadros hajam apenas figuras estáticas.












LINHAS RADIAIS
Linhas que indicam objetos quentes, radiativos ou que emitem algum tipo de energia.




MULTIMAGEM

O homem mais rápido do mundo
é o rei das multimagens, que fazem parte 
de suas HQs desde sua criação em 1940.
Arte de Francis Manapul para
The Flash: Secret Files and Origins nº 1 (2010).
(Fonte: Entertainment Fuse)




Várias imagens que mostram uma sequência de ações de um determinado personagem, sendo a última delas nítida e/ou colorida, enquanto as outras mostram onde ele estava segundos antes.
















TIPOGRAFIA
As letras nos balões também servem como meios de indicar diferentes ações ou emoções. A mudança de fonte, estilo e/ou tamanho delas pode indicar um falar baixo ou alto, pensamentos “altos” ou mais íntimos, graus variados de ênfase ou até mesmo se transformar num objeto da própria história, como a escrita cursiva de uma carta ou a codificada de uma tela de equipamento eletrônico. 

Fonte:



Nenhum comentário:

Postar um comentário