Joe Kubert
(Fonte: The Comics Journal)
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Por Valdemar Morais
Ser leitor de quadrinhos às vezes não basta. O amor pela
Nona Arte é tão grande que vira realização pessoal e esta só chega quando se
concretiza o sonho de escrever e/ou desenhar aqueles seus personagens mais
queridos. Ou quando se cria os seus próprios. Há alguns anos, para a maioria,
isso não passava de um devaneio distante. Contudo, um homem não se satisfez em
ser um ídolo dos quadrinhos, um artista completo, e se esforçou para tornar
esse sonho mais próximo, profissionalizando a figura do quadrinista e abrindo
caminho para uma seara de grandes talentos. Este, possivelmente, foi o maior
legado do ícone chamado Joe Kubert.
Yosaif Kubert tinha apenas dois meses de vida quando, em
1926, veio com os pais, Etta e Jacob Kubert, e a irmã Ida, de Jezierzany (Polônia, hoje Ucrânia) para os
Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida. A família se
estabeleceu no bairro do Brooklyn, notável pela sua variedade étnica e pela
pobreza. Lá, Jacob passou a sustentar a família trabalhando como açougueiro e
quando Yosaif, rebatizado Joseph, contava com quatro anos, ele e a esposa
perceberam o interesse e o talento do menino para o desenho, depois de ser presenteado
com uma caixa de giz de cera.
Assim como outros futuros mestres dos quadrinhos como Will Eisner e Jack Kirby, Joe tinha como inspiração as tiras dominicais de
jornal, em especial os trabalhos de Hal Foster e Milton Caniff.
Desenvolvendo um rápido domínio sobre a ilustração, com apenas 11 anos, Joe
Kubert foi batalhar por seu lugar ao sol no mundo dos quadrinhos.
Colocando
as asas pra fora
Como que para perpetuar seu mito, Joe nunca precisou como
foi de fato seu início de carreira, por isso existem diversas versões. A mais
comumente aceita é a de que começou como aprendiz nos estúdios MLJ, futura Archie Comics. Depois de um período de
estágio, aprendendo como funcionava a indústria, foi incumbido de
arte-finalizar uma HQ do legendário mocinho Archie.
Bem jovem, Kubert já impressionava pelo dinamismo de sua arte. Aqui, splash page de uma aventura de Volton, em 1942. (Fonte: Four Color Shadows) |
Nesse período, Kubert tencionava refinar seu talento na High School Of Music and Art, mas a
impaciência de quem busca logo se afirmar o levava a faltar às aulas para
procurar editoras e oferecer seus dotes. O esforço deu certo e vieram alguns
trabalhos, sendo o mais relevante deles suas histórias ilustradas e
arte-finalizadas do herói Volton, da
Holyoke Publishing, em 1942. Com
elas, o mercado notou as habilidades únicas de um simples garoto de subúrbio de
apenas 15 anos.
Depois de vários trabalhos em diversas editoras, a
chegada de Kubert na All-Star Comics
trouxe um considerável ganho para sua carreira. Antes de serem propriedade da
DC Comics, os super-heróis Mulher-Maravilha,
Lanterna Verde, entre outros,
pertenciam à All-Star Comics, uma das primeiras editoras a publicarem as
histórias em quadrinhos no formato revista com grampos. Lá, Kubert foi
instruído pelo escritor e editor Sheldon Mayer, que contribuiria para que o artista aprimorasse sua narrativa e
desse seus primeiros saltos como roteirista de HQs.
Em 1944, a All-Star foi comprada pela National Allied Company (futura DC Comics) e com isso, Kubert pode
trabalhar com diversos personagens como Flash,
Johnny Quick, Sr. Destino e iniciou sua marcante associação com o guerreiro alado
Gavião Negro.
Bárbaras
criações
Por oito anos, Kubert fez grande sucesso na National,
desenhando vários super-heróis. Eventualmente ilustrava para outras editoras
histórias de ficção científica, terror, faroeste, romance, espionagem e
fantasia. Em 1950, seu trabalho nas séries Secret Missions e Son Of Sinbad, da editora St. John, causou tamanha sensação que Archer St.
John, proprietário da editora e seu amigo pessoal, o convidou para ser editor
de arte e da divisão de quadrinhos da St. John.
No irrecusável emprego, Kubert cuidou da supervisão do
trabalho de outros artistas, contratou novos talentos e começou a roteirizar
HQs para si e para outros profissionais. No entanto, essa incursão de Kubert
acabou interrompida com sua convocação para a Guerra da Coreia (1950-1953). Encarregado de
serviços administrativos, o artista permaneceu na Europa até 1952, onde mesmo
assim ainda fez alguns trabalhos pelos correios.
Tor durante seu revival promovido pela National Comics (DC Comics). Arte de Kubert para Tor nº 1 (1975). (Fonte: HCast) |
De volta aos Estados Unidos e à St. John, Kubert
trabalhou em várias séries de terror da editora. Inspirado no personagem Tarzan, seu herói de juventude, Kubert
concebeu um de seus mais célebres personagens, o homem das cavernas Tor, que enfrentava os perigos da era
pré-histórica. Logo depois, o artista lançou com sucesso a revista Three Dimension Comics, uma HQ que acompanhava um óculos para se ler em três
dimensões. A tentativa malfadada de expandir esse formato para todas as
revistas da St. John levou a editora a extinguir sua divisão de quadrinhos e se
concentrar em outras publicações, forçando Joe Kubert a procurar outro
trabalho.
O Príncipe Viking foi um dos inusitados heróis que Joe Kubert ajudou a conceber. Capa de The Brave And The Bold nº 22 (1959) (Fonte: Rip Jagger's Dojo) |
Depois de alguns trabalhos menores em diversas editoras –
entre elas, a futura Marvel-, Kubert voltou à sua casa, a National Comics, onde
trabalhou nas principais revistas do gênero guerra. Na editora, Kubert traria
ao mundo outra brilhante criação, desta vez ao lado do lendário escritor Robert Kanigher (1915-2002), um de seus mais
marcantes parceiros de trabalho. Na história A Batalha Pelo Barco do Dragão,
na primeira edição da clássica série The Brave And The Bold, os fãs
conheceram o Príncipe Viking, um
guerreiro com amnésia que vivia grandes aventuras num mundo fantástico
ambientado no século IX. O personagem se tornou o mais famoso da antologia e a
protagonizou até 1959.
Rock
and War
Rock no traço de Kubert em seu aniversário de 200 edições. Capa de Our Army At War nº 280 (1975) (Fonte: Collectorz) |
O realismo da arte de Kubert fez seu nome para ser um dos
artistas mais requisitados para os quadrinhos de guerra que faziam sucesso nos
Estados Unidos dos anos 1950. No fim da década, no entanto, ele alcançou seu
auge nesse gênero quando criou, junto com o mesmo Kanigher, o Sargento Rock, um ex-boxeador e soldado
durão que não arredava pé de uma batalha, surgido numa HQ curta da antologia G. I.Combat nº 58 (1958).
Com o carisma adquirido pelo guerreiro, Kanigher e Kubert
refinaram a criação e reapresentaram Rock em Our Army At War nº 81.
Agora, Frank Rock era o líder da Companhia Moleza, um pelotão historicamente
famoso no combate ao Eixo na Segunda Guerra Mundial. Com personagens marcantes,
as histórias de Rock e seus soldados tomaram de assalto a série e, apesar da
ambientação, continuam excelentes até hoje.
À Rock, se somaram outros icônicos personagens como o Ás Inimigo - polêmica série protagonizada por um piloto alemão que combate ingleses e estadunidenses durante a Primeira Guerra Mundial- e o Soldado Desconhecido - um corajoso soldado estadunidense, desfigurado e sem identidade, enviado nas missões mais arriscadas-, todos de autoria de Kanigher e Kubert.
Do
céu à selva
Depois de um hiato de anos, o Gavião Negro voltou em grande estilo com a arte detalhista de Joe Kubert. Capa de sua autoria para The Brave and The Bold nº 42 (1962). (Fonte: Popbotics) |
A partir de 1955, a National Comics começou a retomada
dos super-heróis depois de um período de declínio do gênero. Depois do sucesso
da reformulação de personagens como Flash e Lanterna Verde, em 1961 foi a vez
do Gavião Negro. Tendo desenhado o
herói quase vinte anos antes, Joe Kubert foi chamado para ilustrar a
reformulação conduzida por Gardner Fox. A arte de Kubert garantiu o sucesso da
série e estabeleceu o padrão visual do Gavião Negro convencionado até hoje.
O Tarzan de Joe Kubert foi uma das melhores versões do icônico herói. Capa do primeiro encadernado lançado no Brasil pela Devir em 2010. (Fonte: Vortex Cultural) |
Atendendo a um convite de Carmine Infantino, editor-chefe da National, Kubert assumiu o posto
de Diretor de Publicações da editora. Nesse cargo, Kubert conseguiu realizar um
sonho, ao adquirir os direitos de publicação do personagem Tarzan para a
National. O artista, que nunca parou de desenhar, assumiu os roteiros e a arte
da nova série do Rei das Selvas, que ficou famosa ao trazer uma África
extremamente atraente e apresentar muita fidelidade aos textos de Edgar Rice Burroughs, criador do
personagem. A série durou de 1972 a
1977, quando os direitos de publicação de Tarzan foram assumidos pela Marvel Comics.
Professor
Kubert!
Com o apoio da esposa Muriel, Kubert largou o cargo na National em 1976 e concretizou um
sonho há muito acalentado: a profissionalização dentro das histórias em
quadrinhos. Assumindo o papel de diretor e professor, Kubert abriu a The Joe Kubert School of Cartoon and Graphic Art, onde passou a acolher e instruir jovens que aspiravam seguir
seus passos na lida com as HQs. Dentre os grandes artistas que a escola rendeu
ao mundo, destacam-se Steve Bissette,
Timothy Truman, Alex Maleev e os próprios filhos de Joe, Adam e Andy Kubert. Abaixo você pode ver um vídeo promocional que mostra as dependências e atividades da Escola Kubert com comentários dos seus principais instrutores.
O comando da escola de arte forçou Kubert a diminuir sua
produção nos anos seguintes. Mesmo assim, ainda produziu algumas histórias para
o Sargento Rock e Tarzan, no fim dos anos 1970, criou a série infantil The Adventures of Yaakov and Yosef e
realizou mais um sonho de infância ao conduzir a produção das tiras de jornal
de Terry
e Os Piratas. Nos anos 1990, Kubert criou algumas graphic novels para a
editora Malibu e o selo Epic,
da Marvel Comics.
O mestre voltaria a chamar atenção em 1997 quando faturou
os troféus Harvey e Eisner com a graphic novel Fax
From Sarajevo (1996), inspirada na correspondência de Kubert com seu amigo Ervin
Rustemagic durante a guerra na Sérvia. O prestígio de Joe fez dele o primeiro
artista estadunidense a ser convidado a ilustrar uma aventura do caubói italiano
Tex em O Cavaleiro Solitário (2001), história de Claudio Nizzi especialmente planejada
para o ingresso do personagem no mercado estadunidense.
Página de Fax From Sarajevo: drama real inspirou graphic novel premiada de Kubert. (Fonte: Wednesday's Heroes) |
Nesse começo dos anos 2000, Kubert lançou algumas graphic
novels, dentre as quais se destaca Yossel: April 19, 1943, evocando os dramas da Polônia tomada
pelos nazistas. Em 2003, o artista voltou a associar seu nome ao seu mais
célebre personagem em Sargento Rock: Entre o Céu e o Inferno,
minissérie com texto de Brian Azzarello.
Três anos depois, Kubert repetiu a dose, desta vez em voo solo, na tocante minissérie
Sargento Rock: A Profecia. Ambos os
trabalhos foram publicados no Brasil em versão encadernada. Tudo isso, é claro,
sem falar em centenas de capas criadas por ele para diversas séries.
Capa de Before Watchmen: Nite Owl nº 2 (2012), com desenho de Andy Kubert e arte-final de Joe Kubert. (Fonte: DC Comics) |
Em 2008, depois de 57 anos de união e cinco filhos - além de Andy e Adam, compunham a família Lisa, David e Daniel-, Joe perdeu Muriel para o câncer. Mesmo com a partida dessa companheira para todas as horas- ela também administrava a Escola Kubert-, Joe prosseguiu em seu ofício como criador e professor sem jamais pensar em parar. Junto com o filho Adam, Joe tornou a trabalhar com o Sargento Rock no projeto semanal Wednesday Comics (2008), da DC Comics, numa HQ de dez páginas e sob a arte de Andy, trabalhou arte-finalizando a minissérie Coruja, parte integrante do polêmico
projeto Antes de Watchmen (2012), que serve de prelúdio à clássica minissérie
de Alan Moore e Dave Gibbons.
Infelizmente, o legendário artista não pode ver a conclusão
desse trabalho publicada. Vítima de mieloma múltiplo, um tipo de câncer, Joe
Kubert faleceu em 12 de agosto de 2012, aos 85 anos, deixando, nas palavras do
editor Alexandre Callari em memorial na revista mensal Flash, o “mundo dos quadrinhos um pouco mais frio”. Em 2002, esse grande expoente das HQs concedeu uma entrevista ao site Universo HQ, onde falou de suas influências e trabalhos. É uma chance de conhecer um pouco mais desta lenda e, sobretudo, de se sentir motivado a mergulhar em sua obra que continuará para sempre rendendo muita diversão e grandes lições.
Os Kubert, uma família dedicada às HQs: em sentido anti-horário, Joe, Adam, Andy e a prancheta. (Fonte: Kuentro²) |
Fonte
- Velho de Guerra em Mundo dos Super-Heróis nº 20, Editora Europa (2010);
- A Morte de Joe Kubert em Flash nº 4, Panini Comics (2012);
- Joe Kubert em Wikipedia (English);
- The Kubert School.