quarta-feira, 13 de março de 2013

Sua Majestade, o Rei Jack Kirby!



Por Valdemar Morais


Jack Kirby
(Fonte: Writers Of The Future)
Usando um casaco e uma boina, trazendo nas mãos uma revista de aventuras ilustradas num papel vagabundo, um rapazote adentra o terreno enlameado da Rua Suffolk, East Side, Nova York. Ele está feliz. Enfrentar gangsteres, viajar por países exóticos, encontrar monstros inimagináveis, aquela era sua alegria. Mergulhado nos textos e nas fascinantes ilustrações, era sua maneira de esquecer o dia a dia naquele bairro pobre da Big Apple. Mas antes de chegar em casa, ele encontra um bando de garotos. Ele os reconhece. Vai começar tudo outra vez.

- Ei, Jacob! Qual é? Tá achando que eu vou deixar barato o que me fez ontem?
- A lição não foi suficiente?
- Chega de papo e cai dentro!
- Já que insiste...


Os outros garotos fazem uma roda. Jacob deixa a revista num lugar seguro e parte para a briga, sem titubear. "Eu comecei a gostar daquilo. Lutar se tornou uma segunda vida pra mim", diria mais tarde o menino que um dia fora Jacob Kurtzberg, em entrevista ao The Comics Journal (1990). O menino cresceu, virou adulto, alcançou a fama, tomando parte em brigas interestelares, alter-egos fantásticos, de poderes titânicos, dono de uma arte eterna. Jacob Kurtzberg virou a identidade secreta do Rei dos Quadrinhos, Jack Kirby!

Um rapaz de muitos nomes

Príncipe Valente, de Hal Foster, também foi
uma das grandes influências para o jovem Kirby.

(Fonte: Wikipedia English)
Nascido em 28 de agosto de 1917, Jacob era filho de Rose e Benjamin Kurtzberg, imigrantes austríacos, e desde sempre encontrou no desenho o meio de passar o tempo e lutar por dias melhores longe do ambiente hostil onde nascera, o bairro de Lower East Side, em Nova York. Fã dos pulps – as tais revistas ilustradas em papel de baixa qualidade- e dos quadrinhos de Milton Caniff (1907-1988), Alex Raymond (1909-1956) e Hal Foster (1892-1982), Jacob passou a copiar os traços desses mestres até alcançar seu próprio estilo. Quando julgou que seu desenho já tinha a potência de um profissional, decidiu seguir carreira.









Em 1936, já com seus 18 anos, ele conseguiu um emprego na Lincoln Newspaper Syndicate e trabalhou em anúncios e tiras de jornal sob o pseudônimo de Jack Curtiss. Sua carreira na Lincoln durou apenas três anos e, em 1939, Jacob teve seu primeiro contato com o mundo da animação, ao emprestar sua arte aos Estúdios Max Fleischer, hoje célebres por suas séries animadas de Popeye, Betty Boop e a primeira do Superman. Todavia, a produção de desenhos em larga escala não agradava ao artista e Kurtzberg percebeu que sua grande realização poderia vir das histórias em quadrinhos, que viviam sua fase áurea.


Jack Kirby, em foto de 1939
(Fonte: Kirby Museum)
No Estúdio Eisner-Iger, de propriedade de Will Eisner (1917-2005) e Jerry Iger (1903-1990), Kurtzberg foi recebido e se mostrou um artista versátil, mexendo com ficção científica (The Diary of Dr. Hayward), faroeste (Wilton Of The West), chegando até às adaptações de clássicos da literatura (The Count Of Monte Cristo). Durante esse período, Jacob utilizou um sem número de pseudônimos: Curt Davis, Fred Sande, Ted Grey, Richard Lee, Jack Curtiss novamente e até simplesmente Teddy. 











Inspirado pelo nome do ator James Cagney (1899-1986), ele passou a assinar com o nome de Jack Kirby. A intenção do artista era apenas facilitar a promoção de seu nome no mercado de trabalho, mas comentários maldosos alegavam que isso não passava de uma manobra para esconder sua origem judia, o que deixava o quadrinista profundamente ofendido.

Em 1940, a família Kurtzberg se mudou para o bairro do Brooklyn, deixando uma casa para residir num apartamento. Foi nesse condomínio que Jack conheceu Rosalind Goldstein. O jovem casal passou a se encontrar com frequência e quando Rosalind - carinhosamente chamada Roz- completou seus 18 anos, Kirby a pediu em namoro e os dois engataram um romance.


O parceiro e o capitão



Os amigos Joe Simon (à frente) e Jack Kirby,
anos 1950.

(Fonte: Silver Fox Lair)

Nesse mesmo período, em busca de melhorias salariais, Jack se empregou na Fox Feature Syndicate, onde teve contato com o gênero super-herói através do personagem Blue Beetle (Besouro Azul). Foi na Fox que Kirby conheceu um dos mais fundamentais parceiros de sua carreira: Joe Simon (1913-2011).

Juntos no título Blue Bolt, inicialmente Simon escrevia e desenhava as aventuras, enquanto Jack cuidava da arte-final. Mas a técnica de Kirby e sua até hoje histórica velocidade logo o transformaram no titular do desenho da revista. O sucesso da dupla chamou a atenção de leitores e editores da época, entre eles Martin Goodman (1908-1992), o diretor-editorial da Timely Comics.

O ano era 1941. A Segunda Guerra Mundial estava no seu auge e a Alemanha Nazista avançava assustadoramente sobre a Europa como um rolo compressor. Àquele tempo, os Estados Unidos não estavam diretamente envolvidos no conflito, promovendo apenas um tímido apoio aos britânicos na resistência. Ainda assim, heróis patrióticos pipocavam pelo período no mundo das HQs. Um dos mais famosos foi o Escudo. Percebendo o potencial lucrativo de um personagem nesses moldes, Goodman encomendou um super-herói nesse estilo à promissora dupla Simon-Kirby. Nascia a lenda.


A estreia do Capitão América.
(Fonte: Comic Book Reflections)
Em março daquele ano, com texto de Simon e arte de Kirby, nascia o Capitão América, cuja primeira capa, concebida numa reunião editorial, entrou para a história: o herói com as cores da bandeira estadunidense dando um soco no próprio führer Adolf Hitler. O personagem virou um sucesso espetacular, suplantando qualquer outro quadrinho de cunho patriótico. Com centenas e centenas de exemplares vendidos após algumas edições, Simon e Kirby exigiram de Martin Goodman o cumprimento de um acordo salarial que dava aos autores 15% dos lucros das vendas das HQs. O estresse de repetidas brigas fizeram os artistas abandonarem a Timely e sua criação.








Super-heróis, guerra e cartas de amor



Encadernado do Comando Juvenil,
 lançado pela DC Comics
em 2010.

(Fonte: Kirby Museum)

Seduzidos desde o sucesso do Capitão América por Jack Liebowitz (1900-2000), dono da National Comics (futura DC Comics), Simon e Kirby foram acolhidos na editora em 1942, onde após trabalharem em diversas séries sem receber créditos, foram incumbidos de cuidar do herói Sandman, aproximando-o ainda mais do gênero super-herói. A dupla repetiu o sucesso e logo concebeu uma série de outros personagens como o Caçador, Guardião e Legião Jovem e Comando Juvenil, a contribuição de Simon e Kirby aos quadrinhos de guerra e que fizeram enorme sucesso no período. Ironicamente, nenhum dos dois quadrinistas imaginava que em breve estariam na pele dos commandos...








Em 1942, após quase três anos de namoro, Jacob Kurtzberg casou-se com Roz Goldstein, iniciando uma sólida e feliz vida conjugal e o quadrinista aproveitou a oficiosa ocasião para mudar legalmente o seu nome para Jack Kirby. Contudo, se havia felicidade na casa das famílias Kurtzberg e Goldstein, o mesmo não se poderia dizer em uníssono sobre os lares dos Estados Unidos. Após o ataque japonês à Pearl Harbor, o país entrara de cabeça na Segunda Guerra Mundial e qualquer jovem com idade militar poderia ser convocado para fazer frente aos alemães e italianos na Europa ou aos japoneses no Pacífico.

E o temido dia veio. Em 7 de junho de 1943, Jack Kirby foi convocado para se alistar no exército estadunidense. Após um treinamento básico, o quadrinista foi alocado na Companhia F da 11ª Infantaria, grupo que foi enviado para a praia de Omaha, na Normandia, em 23 de agosto de 1944. No front de batalha, um dos tenentes do pelotão reconheceu o ídolo dos comics e o remanejou para uma função mais a ver com ele. Durante o período em que lutou no conflito, Kirby foi incumbido de trabalhar em mapas de reconhecimento e ilustrar cartazes para a motivação das tropas.


Jack e Roz Kirby. A união foi tão sólida que ela chegou
a fazer a arte-final de alguns trabalhos do marido.

(Fonte: Kirby Museum)
Apesar da distância, o contato entre Jack e sua esposa Roz foi constante, através do sistema v-mail de correspondência, realizado entre os soldados e seus familiares. Em 1944, o inverno foi rigoroso na Europa e Kirby caiu vítima de seus efeitos. Seus membros inferiores foram danificados pelo frio intenso e o artista acabou enviado para um hospital em Londres. 





A gravidade dos danos era tão severa que os médicos chegaram a pensar na possibilidade de amputar suas pernas. Felizmente, Kirby conseguiu se recuperar e, inteiro, retornou vitorioso aos Estados Unidos, no começo de 1945. Reconhecido, recebeu do exército o Distintivo de Soldado de Infantaria e a Estrela de Bronze por seus serviços prestados na guerra.


E os vilões atacam!

Finda sua passagem pela guerra, Kirby pode voltar ao aconchego de seu lar, ver a rendição alemã e o nascimento de sua primeira filha, Susan, em dezembro de 1945. Em seguida viriam Neal (1948), Barbara (1952) e Lisa (1960). Incomodado com a nova política editorial da National Comics, que não aceitava mais artistas freelancers, Kirby trabalhou na editora até que Simon retornasse do exército. Quando o amigo voltou, a dupla conseguiu trabalhos na Harvey Comics, Hillman Periodicals e na Crestwood Publications. Nesta última editora, eles voltariam a chamar atenção.

Percebendo a queda de popularidade do gênero super-herói e a ascensão dos quadrinhos de romance, Kirby e Simon conceberam a revista Young Romance (1947), que segundo um acordo firmado com a própria editora, metade dos lucros da publicação seria remetida aos autores. A série foi um sucesso, que de bimestral passou a mensal e gerou dezenas de imitações, garantindo uma renda considerável para a dupla.


Young Romance nº 1.
Capa de Jack Kirby

(Fonte: Cartoongal)



Em 1954, a Atlas Comics, antiga Timely, relançou o Capitão América. Em reação, Kirby e Simon lançaram o Fighting American, um rival à altura de sua antiga criação. No começo, o herói patriótico enfrentava os vilões da vez, os comunistas. Entretanto, com a caça às bruxas promovida pelo macartismo, os autores acharam melhor abandonar a conotação política das histórias e transformar a série numa paródia. O Fighting American viveu por sete edições.









Depois da produção de diversas HQs de sucesso nos gêneros romance, policial, guerra e faroeste e de se aventurarem na criação de sua própria companhia, a Mainline Comics, a dupla Simon e Kirby viu seu bom período ruir depois de problemas financeiros com a Crestwood e pela própria conjuntura política dos Estados Unidos, na qual os quadrinhos foram alvo de sérias restrições. Simon seguiu caminho na publicidade e Kirby retornou para a National, que mais uma vez o aceitava como freelancer. Nessa volta, Kirby revitalizou as HQs do Arqueiro Verde e criou com Dick e Dave Wood os Desafiadores do Desconhecido (1957), um grupo de exploradores sem superpoderes.

Os Mestres do Universo

Em 1958, Kirby continuava trabalhando como freelancer, com trabalhos recorrentes na National. Mas com o aumento da família, era preciso incrementar a renda de casa. Para sua felicidade, a Atlas Comics lhe fez uma proposta para que trabalhasse como arte-finalista e capista de algumas revistas. Kirby topou e sua competência logo o colocou nos créditos das principais séries da editora, desde as de guerra, passando por ficção científica, faroeste, romance e até terror. Sua habilidade em desenhar alienígenas e monstros bizarros contagiou os fãs.

Contudo, a Atlas Comics estava à beira da falência. Suas revistas possuíam vendagens razoáveis, o que era pouco para que a editora permanecesse no mercado. Um dos mais abalados com a iminente quebra da Atlas era Stanley Lieber, mais conhecido como Stan Lee. Primo de Jean Goodman, esposa de Martin Goodman, dono da empresa, Lee era contratado da Atlas desde os anos 1940, onde não só escrevia as HQs como ocupava o cargo de editor-chefe desde o fim da guerra.


Stan Lee e Jack Kirby, numa das raras fotos juntos,
durante uma festa em 1965.
(Fonte: Sean Howe Tumblr)


A salvação da editora veio durante uma partida de golfe. Jogando contra Jack Liebowitz, dono da National Comics, Martin Goodman notou o sucesso da editora rival com a Liga da Justiça, reunindo seus principais heróis como Batman, Superman e Mulher-Maravilha numa mesma revista, e tratou de encomendar uma resposta a esse sucesso à dupla Stan Lee e Jack Kirby.








Inspirados pela corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, a dupla concebeu em novembro de 1961 o Quarteto Fantástico. The Fantastic Four nº1 inaugurou uma nova fase de popularidade para os super-heróis, salvou a Atlas do buraco e a revolução foi tanta que a editora mudou até de nome e virou a celebrada Marvel Comics. E isto foi só o começo. No período que foi chamado de Era Marvel (1961-1969), Jack Kirby encontrou em Stan Lee a segunda e certamente a mais bem-sucedida parceria de sua carreira, num casamento de inventividade que daria origem a uma série de memoráveis títulos e criações.



Arte do brasileiro Joe Bennett para edição da Mundo dos Super-Heróis enfocando Stan Lee.
Por muitos desses heróis terem sido criados em parceria com Kirby, o autor fez questão de incluir o Rei ao fundo do painel.

(Fonte: Lady Failache Deviantart)

Baseados na proximidade dos personagens com a realidade, evidenciando seus dramas e falhas, sobretudo valorizando suas motivações, a dupla trouxe ao mundo o Incrível Hulk (1962), o Poderoso Thor (1962), Homem-Formiga (1962), Vespa (1963), Homem de Ferro (1963), os Vingadores (1963), X-Men (1963), Pantera Negra (1966), dentre muitos outros entre heróis e vilões, com uma ou outra colaboração do desenhista Don Heck (1929-1995) e do roteirista Larry Lieber, irmão de Stan. A despeito de polêmicas, Kirby deu contribuições também às criações de Homem-Aranha (1962) e Demolidor (1964) e com Stan Lee resgatou do ostracismo heróis como Namor e sua cocriação, o Capitão América. O sucesso foi completo: Stan Lee virou The Man (o cara) e Jack Kirby, The King (o Rei) e se tornaram ídolos eternos.

Em matéria especial da Wizard Brasil, Stan Lee falou sobre o parceiro: "Seu talento era indescritível. A maneira como desenhava, é como se já tivesse a página toda na cabeça e simplesmente a projetasse no papel. É como se soubesse que cada linha traçada pertencesse exatamente àquele lugar (...). Jack Kirby com certeza foi um sujeito e tanto".  

Novos Deuses para uma nova era

Em 1969, a Marvel Comics era um sucesso já estabelecido e era a empresa que dominava o mercado de histórias em quadrinhos nos Estados Unidos. Contudo, nem todo mundo estava satisfeito com esta situação. Enquanto Stan Lee era publicizado como o grande comandante da Era Marvel e personificação da própria editora, Jack Kirby era deixado de lado, muitas vezes até esquecido. Até o direito de ter seu nome creditado como criador dos personagens que ajudara a conceber lhe foi negado. Ao tomar conhecimento dos desgostos de Kirby, o desenhista e diretor editorial da National Comics, Carmine Infantino, entrou em contato com ele e lhe fez uma proposta de trabalho: três anos de contrato com direito a mais dois opcionais. Magoado, Kirby deixou a editora que havia ajudado a edificar e partiu para voos mais ousados.

"Quando ele deixou a Marvel, não acreditei", confessou Joe Sinnott, considerado o melhor arte-finalista de Kirby em entrevista à Wizard Brasil. "Não existe ninguém insubstituível- até mesmo Babe Ruth foi substituído-, mas Jack era o único cara que eu achava que ninguém poderia tomar o lugar na editora, e é claro que ninguém jamais conseguiu. Ele foi o pináculo".


 
Superman's Pal Jimmy Olsen nº 137 (1971).
Com um raro Superman de Kirby na capa.

(Fonte: Kirby Museum)

Dotado de total liberdade criativa, Jack Kirby chegou na National para assumir a revista Superman's Pal Jimmy Olsen, protagonizada pelo fotógrafo amigo do Homem de Aço, e a partir dela elaborou uma saga cósmica de proporções extensas, uma narrativa que, como as próprias capas das revistas diziam, era "um épico para os nossos tempos". A série de Jimmy Olsen somada às revistas New Gods, The Forever People e Mister Miracle formou a quadra da série que posteriormente seria batizada de O Quarto Mundo de Jack Kirby. Acompanhado unicamente do polêmico arte-finalista Vince Colletta (1923-1991), Kirby editava, escrevia e desenhava as quatro revistas, que narravam o conflito entre os planetas Nova Gênese e Apokolips com a Terra no fogo cruzado.










Infelizmente, o conceito do Quarto Mundo era muito avançado para a época e após algumas edições, por volta de 1973, sob a famosa (e controversa) alegação de baixas vendas, os títulos da série foram cancelados. Uma pena, pois Kirby imaginava narrar a saga durante um tempo e depois fechá-la de uma vez por todas. Prematuramente, o artista inventava o formato da minissérie.


O guerreiro Órion detona os inimigos
na edição 6 de The New Gods: Deluxe Edition (1984)
(Fonte: Bullys Comics)


No entanto, as contribuições de Kirby para o panteão da futura DC Comics foi muito além do Quarto Mundo. Misturando super-herói, mitologia celta e cristã, Kirby concebeu um dos mais tradicionais personagens místicos da editora, o demônio Etrigan, que estreou em revista própria em 1972. No mesmo período, Infantino encomendou a Kirby uma nova série, inspirada na pegada sombria do filme O Planeta dos Macacos (1968). Apesar de não ter assistido ao filme, o genial quadrinista elaborou a partir da premissa de futuro apocalíptico a saga de Kamandi, na qual o jovem herói homônimo precisava lutar para manter seu pescoço num mundo pós-cataclismo, dominado por animais falantes e antropomórficos. A série durou 59 edições, das quais a maioria teve a mão de Kirby.



Superman nas garras 
do implacável Darkseid.
Capa de John Byrne para

Superman nº 3 (1987)
(Fonte: I Am The Phantom Stranger)
Em 1974, Kirby ainda criou o super-herói OMAC e fez sua última parceria com Joe Simon, coincidentemente numa nova série do personagem que lhes deu casa na National, Sandman. Mesmo com todos estes trabalhos, possivelmente a maior contribuição de Jack Kirby para a National/DC Comics foi a criação de Darkseid. Extremamente poderoso, inteligente e cruel, o vilão  se tornou o legítimo adversário capaz de rivalizar com Superman - o que não é qualquer coisa!- e tem presença garantida nos grandes eventos da editora. Apesar de todas essas contribuições, Kirby era consciente de que estava sendo subutilizado e diante de propostas cada vez mais tentadoras da Marvel, voltou para a Casa das Ideias.













Um adeus amargo


Capa de Captain America nº 193 (1976).
A saga
Bomba da Loucura foi um dos pontos
altos do Capitão América e de Kirby.

(Fonte: Super Coleções)




A expectativa de um retorno de Kirby à Marvel – e à uma eventual parceria com Stan Lee- era similar ao sonho de uma reunião dos Beatles. Contudo, Kirby frustrou os planos dos que acalentavam essa vontade: entre as cláusulas de seu novo contrato com a editora, exigiu que desenharia apenas histórias escritas por ele mesmo. Aceita a condição, Kirby foi alocado no título-solo de sua criação mais famosa, o Capitão América. Nesta nova fase na Casa das Ideias, o quadrinista revigorou as vendas da revista.











Ainda fascinado pela ideia de alienígenas com aspecto de deuses, trabalhada em seus tempos de Quarto Mundo, o quadrinista lançou a série Os Eternos, de sua total autoria, em julho de 1976. A série trouxe mais uma profusão de poderosos superseres, durando 19 números. Com sua versatilidade e agilidade, Kirby também assumiu a série do Pantera Negra em 1977, fez uma adaptação do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e quebrou sua promessa pessoal, unindo-se a Stan Lee na graphic novel Silver Surfer: The Ultimate Cosmic Experience (1978), inédita no Brasil.



Capa de Earl Norem para a graphic
novel que reuniu Lee e Kirby nos anos 70

(Fonte: Pop Botics)
Mesmo assim, a atitude de Kirby em só trabalhar em projetos particulares incomodou muita gente dentro da Marvel Comics. Segundo o livro A Era de Bronze dos Super-Heróis, do jornalista e pesquisador de HQs Roberto Guedes, em função de seu comportamento, Jack Kirby foi vítima de um processo de sabotamento por alguns membros do staff da Marvel. Cartas forjadas eram enviadas à redação da editora, detratando a arte de Kirby e até mesmo ameaças por telefone o quadrinista teria recebido, com o objetivo de que deixasse a Marvel. 

Somando essa claustrofóbica crise com o desleixo da própria Marvel quanto aos planos de saúde dos empregados e a questão da devolução de originais dos desenhistas (uma luta que tirou muito o sono de Kirby), o Rei dos Quadrinhos abandonou seu reino em 1978 e partiu para melhores condições de trabalho.





E o rei foi embora...

Com o êxito de quadrinistas que passaram a trabalhar na área de animação como Alex Toth e Steve Gerber, Jack Kirby enveredou por essa mídia e encontrou espaço no estúdio Ruby-Spears Productions, de propriedade dos roteiristas Joe Ruby e Ken Spears, ex-funcionários da Hanna-Barbera. Lá, o desenhista participou da elaboração dos designs de algumas das animações mais populares dos anos 80 como Thundarr, o Bárbaro (veja abaixo a abertura do desenho), Chuck Norris e Turbo Teen. Na produtora DePatie-Freleng Enterprises, Jack Kirby foi reunido uma vez mais a Stan Lee, na produção do polêmico desenho animado do Quarteto Fantástico.

"Trabalhei com ele durante seis anos e Jack era um sujeito formidável", relembrou Joe Ruby, para a Wizard Brasil. "Bastante prolífico também. Fazia seu trabalho mais rápido do que qualquer pessoa que conheço. Se eu lhe desse uma tarefa, ele ia para casa e a realizava".



No entanto, Kirby não abandonou os quadrinhos totalmente. Em 1981, o artista esteve envolvido com a Pacific Comics, uma nova editora que prometia romper com os padrões estabelecidos, principalmente no que tange à propriedade de criação dos personagens. Na Pacific, Kirby concebeu Captain Victory And The Galactic Rangers, mais uma série de aventura explorando o espaço sideral e Silver Star, também com a mesma temática. A iniciativa, porem, teve vida curta, terminando três anos depois.

Em 1984, pouco mais de 10 anos depois do cancelamento da série original, a agora DC Comics entrou em contato com Jack Kirby e lhe propôs a realização de uma graphic novel que mostrasse o final definitivo imaginado pelo autor para o Quarto Mundo, sua célebre criação. Kirby topou a parada, mas a produção da edição especial foi recheada de desentendimentos entre o quadrinista e a cúpula editorial da DC, principalmente quanto ao destino dos principais personagens da série.

Após inúmeras discussões, dispensa e reelaboração de páginas e revisões, The Hunger Dogs foi publicada no número 4 da coleção DC Graphic Novel, em janeiro de 1985. Mesmo com esse final elaborado por Kirby, muitos de seus admiradores entendem a graphic novel como um possível final da epopeia dos Novos Deuses, o que parece ser algo compartilhado pela própria DC Comics, que continuou utilizando os personagens do Quarto Mundo em suas revistas regulares sem qualquer influência dos eventos de The Hunger Dogs.

Jack Kirby e um radiante fã em 1979
(Fonte: Progressive Ruin)

Em 1987, num momento histórico e sob a pressão de vários escritores, artistas e fãs, a Marvel Comics devolveu a Jack Kirby cerca de 2.100 páginas de originais produzidas pelo quadrinista. Estima-se que Kirby tenha em originais feitos só para a Marvel cerca de 13.000 páginas. Nesse mesmo ano, aos 70 anos, Kirby decidiu se aposentar, mas os fãs e admiradores não permitiriam que o Rei se afastasse completamente.





Por volta de 1993, Kirby relançou seus personagens outrora publicados na Pacific Comics pela Topps Comics e participou do projeto conhecido como The Kirbyverse, na qual personagens e/ou conceitos elaborados por Kirby eram inter-relacionados em vários títulos como Bombast, Night Glider, Satan's Six, Captain Glory, Silver Star e Victory. Esse projeto teve a supervisão de Kirby e contou em suas equipes criativas vários nomes consagrados da indústria das HQs como os escritores Kurt Busiek e Gerry Conway, os desenhistas Don Heck e Keith Giffen e os arte-finalistas Jimmy Palmiotti e Terry Austin. Considerado um material fraco e antiquado, as publicações do Kirbyverse naufragaram nas bancas.



Roz e Jack Kirby em 1989
(Fonte: Kirby Museum)

Na mesma época, Kirby escreveu e desenhou Physical Force, série na qual foi auxiliado por um time extenso de arte-finalistas da Image Comics, editora que ditava o ritmo do mercado e continha em seu cast ídolos da época e fãs de Kirby, como Jim LeeTodd McFarlane. Foi seu último projeto publicado. Um dia, mais precisamente em 6 de fevereiro de 1994, o coração do Rei dos Quadrinhos parou de bater. Com grande comoção, a comunidade de escritores, desenhistas e fãs prestou diversas homenagens ao artista considerado o maior ilustrador de quadrinhos em todos os tempos.  





O legado de Kirby continua bem vivo, uma vez que várias de suas criações continuam sendo publicadas e renovadas, ano após ano, pela Marvel e DC Comics. Todos reverenciam seu trabalho e sua criatividade, desde profissionais dos quadrinhos até músicos como Gregg Bendian e Paul McCartney. Sua obra está recheada de conceitos que são explorados até hoje e ainda o serão por muito tempo. Por isso, Vida Longa ao Rei!

Fonte

  • O Rei e Eu, Wizard Brasil nº 14, Panini Comics (2004);
  • O Rei dos Quadrinhos, Mundo dos Super-Heróis nº 3, Editora Europa (2006);
  • Dossiê Jack Kirby, Mundo dos Super-Heróis nº 25, Editora Europa (2011);
  • Jack Kirby em Wikipedia (English);
  • Jack Kirby Museum;
  • Jack Kirby em Guia dos Quadrinhos.

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