Por Valdemar Morais
Jack Kirby (Fonte: Writers Of The Future) |
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Ei, Jacob! Qual é? Tá achando que eu vou deixar barato o que me fez ontem?
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A lição não foi suficiente?
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Chega de papo e cai dentro!
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Já que insiste...
Os outros garotos
fazem uma roda. Jacob deixa a revista num lugar seguro e parte para a briga,
sem titubear. "Eu comecei a gostar daquilo. Lutar se tornou uma segunda
vida pra mim", diria mais tarde o menino que um dia fora Jacob Kurtzberg,
em entrevista ao The Comics Journal (1990). O menino cresceu, virou adulto,
alcançou a fama, tomando parte em brigas interestelares, alter-egos
fantásticos, de poderes titânicos, dono de uma arte eterna. Jacob Kurtzberg virou
a identidade secreta do Rei dos Quadrinhos, Jack Kirby!
Um rapaz de muitos nomes
Príncipe Valente, de Hal Foster, também foi uma das grandes influências para o jovem Kirby. (Fonte: Wikipedia English) |
Nascido em 28 de
agosto de 1917, Jacob era filho de Rose e Benjamin Kurtzberg, imigrantes
austríacos, e desde sempre encontrou no desenho o meio de passar o tempo e
lutar por dias melhores longe do ambiente hostil onde nascera, o bairro de
Lower East Side, em Nova York. Fã dos pulps – as tais revistas ilustradas em
papel de baixa qualidade- e dos quadrinhos de Milton Caniff (1907-1988), Alex Raymond (1909-1956)
e Hal Foster (1892-1982), Jacob passou a copiar
os traços desses mestres até alcançar seu próprio estilo. Quando julgou que seu
desenho já tinha a potência de um profissional, decidiu seguir carreira.
Em 1936, já com seus
18 anos, ele conseguiu um emprego na Lincoln
Newspaper Syndicate e trabalhou em anúncios e tiras de jornal sob o
pseudônimo de Jack Curtiss. Sua
carreira na Lincoln durou apenas três anos e, em 1939, Jacob teve seu primeiro
contato com o mundo da animação, ao emprestar sua arte aos Estúdios Max Fleischer, hoje célebres por suas séries animadas de Popeye,
Betty
Boop e a primeira do Superman. Todavia, a produção de
desenhos em larga escala não agradava ao artista e Kurtzberg percebeu que sua
grande realização poderia vir das histórias em quadrinhos, que viviam sua fase
áurea.
Jack Kirby, em foto de 1939 (Fonte: Kirby Museum) |
Inspirado pelo nome do ator James Cagney (1899-1986), ele passou a assinar com o nome de Jack Kirby. A intenção do artista era apenas facilitar a promoção de seu nome no mercado de trabalho, mas comentários maldosos alegavam que isso não passava de uma manobra para esconder sua origem judia, o que deixava o quadrinista profundamente ofendido.
Em 1940, a família
Kurtzberg se mudou para o bairro do Brooklyn, deixando uma casa para residir
num apartamento. Foi nesse condomínio que Jack conheceu Rosalind Goldstein. O
jovem casal passou a se encontrar com frequência e quando Rosalind -
carinhosamente chamada Roz- completou seus 18 anos, Kirby a pediu em namoro e
os dois engataram um romance.
O parceiro e o capitão
Os amigos Joe Simon (à frente) e Jack Kirby, anos 1950. (Fonte: Silver Fox Lair) |
Nesse mesmo período,
em busca de melhorias salariais, Jack se empregou na Fox Feature Syndicate, onde teve contato com o gênero super-herói através do personagem Blue Beetle (Besouro Azul). Foi na Fox que Kirby conheceu um dos
mais fundamentais parceiros de sua carreira: Joe Simon (1913-2011).
Juntos no título
Blue Bolt, inicialmente Simon escrevia e desenhava as aventuras, enquanto Jack
cuidava da arte-final. Mas a técnica de Kirby e sua até hoje histórica
velocidade logo o transformaram no titular do desenho da revista. O sucesso da
dupla chamou a atenção de leitores e editores da época, entre eles Martin Goodman (1908-1992), o
diretor-editorial da Timely Comics.
O ano era 1941. A
Segunda Guerra Mundial estava no seu auge e a Alemanha Nazista avançava
assustadoramente sobre a Europa como um rolo compressor. Àquele tempo, os
Estados Unidos não estavam diretamente envolvidos no conflito, promovendo
apenas um tímido apoio aos britânicos na resistência. Ainda assim, heróis
patrióticos pipocavam pelo período no mundo das HQs. Um dos mais famosos foi o
Escudo. Percebendo o potencial lucrativo de um personagem nesses moldes,
Goodman encomendou um super-herói nesse estilo à promissora dupla Simon-Kirby.
Nascia a lenda.
A estreia do Capitão América. (Fonte: Comic Book Reflections) |
Em março daquele ano,
com texto de Simon e arte de Kirby, nascia o Capitão América, cuja primeira capa, concebida numa reunião
editorial, entrou para a história: o herói com as cores da bandeira
estadunidense dando um soco no próprio führer Adolf Hitler. O personagem virou
um sucesso espetacular, suplantando qualquer outro quadrinho de cunho
patriótico. Com centenas e centenas de exemplares vendidos após algumas
edições, Simon e Kirby exigiram de Martin Goodman o cumprimento de um acordo
salarial que dava aos autores 15% dos lucros das vendas das HQs. O estresse de
repetidas brigas fizeram os artistas abandonarem a Timely e sua criação.
Super-heróis, guerra e cartas de amor
Encadernado do Comando Juvenil, lançado pela DC Comics em 2010. (Fonte: Kirby Museum) |
Seduzidos desde o sucesso do Capitão América por Jack Liebowitz (1900-2000), dono da National Comics (futura DC Comics), Simon e Kirby foram acolhidos na editora em 1942, onde após trabalharem em diversas séries sem receber créditos, foram incumbidos de cuidar do herói Sandman, aproximando-o ainda mais do gênero super-herói. A dupla repetiu o sucesso e logo concebeu uma série de outros personagens como o Caçador, Guardião e Legião Jovem e Comando Juvenil, a contribuição de Simon e Kirby aos quadrinhos de guerra e que fizeram enorme sucesso no período. Ironicamente, nenhum dos dois quadrinistas imaginava que em breve estariam na pele dos commandos...
Em 1942, após quase três anos de namoro, Jacob Kurtzberg casou-se com Roz Goldstein, iniciando uma sólida e feliz vida conjugal e o quadrinista aproveitou a oficiosa ocasião para mudar legalmente o seu nome para Jack Kirby. Contudo, se havia felicidade na casa das famílias Kurtzberg e Goldstein, o mesmo não se poderia dizer em uníssono sobre os lares dos Estados Unidos. Após o ataque japonês à Pearl Harbor, o país entrara de cabeça na Segunda Guerra Mundial e qualquer jovem com idade militar poderia ser convocado para fazer frente aos alemães e italianos na Europa ou aos japoneses no Pacífico.
E o temido dia veio.
Em 7 de junho de 1943, Jack Kirby foi convocado para se alistar no exército
estadunidense. Após um treinamento básico, o quadrinista foi alocado na
Companhia F da 11ª Infantaria, grupo que foi enviado para a praia de Omaha, na
Normandia, em 23 de agosto de 1944. No
front de batalha, um dos tenentes do pelotão reconheceu o ídolo dos comics e o
remanejou para uma função mais a ver com ele. Durante o período em que lutou no
conflito, Kirby foi incumbido de trabalhar em mapas de reconhecimento e
ilustrar cartazes para a motivação das tropas.
Jack e Roz Kirby. A união foi tão sólida que ela chegou a fazer a arte-final de alguns trabalhos do marido. (Fonte: Kirby Museum) |
A gravidade dos danos era tão severa que os médicos chegaram a pensar na possibilidade de amputar suas pernas. Felizmente, Kirby conseguiu se recuperar e, inteiro, retornou vitorioso aos Estados Unidos, no começo de 1945. Reconhecido, recebeu do exército o Distintivo de Soldado de Infantaria e a Estrela de Bronze por seus serviços prestados na guerra.
E os vilões atacam!
Finda sua passagem
pela guerra, Kirby pode voltar ao aconchego de seu lar, ver a rendição alemã e
o nascimento de sua primeira filha, Susan, em dezembro de 1945. Em seguida
viriam Neal (1948), Barbara (1952) e Lisa (1960). Incomodado com a nova
política editorial da National Comics, que não aceitava mais artistas
freelancers, Kirby trabalhou na editora até que Simon retornasse do exército.
Quando o amigo voltou, a dupla conseguiu trabalhos na Harvey Comics, Hillman
Periodicals e na Crestwood
Publications. Nesta última editora, eles voltariam a chamar atenção.
Percebendo a queda de
popularidade do gênero super-herói e a ascensão dos quadrinhos de romance,
Kirby e Simon conceberam a revista Young Romance (1947), que segundo um
acordo firmado com a própria editora, metade dos lucros da publicação seria
remetida aos autores. A série foi um sucesso, que de bimestral passou a mensal
e gerou dezenas de imitações, garantindo uma renda considerável para a dupla.
Em 1954, a Atlas Comics, antiga Timely, relançou o Capitão América. Em reação, Kirby e Simon lançaram o Fighting American, um rival à altura de sua antiga criação. No começo, o herói patriótico enfrentava os vilões da vez, os comunistas. Entretanto, com a caça às bruxas promovida pelo macartismo, os autores acharam melhor abandonar a conotação política das histórias e transformar a série numa paródia. O Fighting American viveu por sete edições.
Depois da produção de diversas HQs de sucesso nos gêneros romance, policial, guerra e faroeste e de se aventurarem na criação de sua própria companhia, a Mainline Comics, a dupla Simon e Kirby viu seu bom período ruir depois de problemas financeiros com a Crestwood e pela própria conjuntura política dos Estados Unidos, na qual os quadrinhos foram alvo de sérias restrições. Simon seguiu caminho na publicidade e Kirby retornou para a National, que mais uma vez o aceitava como freelancer. Nessa volta, Kirby revitalizou as HQs do Arqueiro Verde e criou com Dick e Dave Wood os Desafiadores do Desconhecido (1957), um grupo de exploradores sem superpoderes.
Os Mestres do Universo
Em 1958, Kirby
continuava trabalhando como freelancer, com trabalhos recorrentes na National.
Mas com o aumento da família, era preciso incrementar a renda de casa. Para sua
felicidade, a Atlas Comics lhe fez uma proposta para que trabalhasse como
arte-finalista e capista de algumas revistas. Kirby topou e sua competência
logo o colocou nos créditos das principais séries da editora, desde as de guerra,
passando por ficção científica, faroeste, romance e até terror. Sua habilidade
em desenhar alienígenas e monstros bizarros contagiou os fãs.
Contudo, a Atlas
Comics estava à beira da falência. Suas revistas possuíam vendagens razoáveis,
o que era pouco para que a editora permanecesse no mercado. Um dos mais
abalados com a iminente quebra da Atlas era Stanley Lieber, mais conhecido como
Stan Lee. Primo de Jean Goodman,
esposa de Martin Goodman, dono da empresa, Lee era contratado
da Atlas desde os anos 1940, onde não só escrevia as HQs como ocupava o cargo de
editor-chefe desde o fim da guerra.
Stan Lee e Jack Kirby, numa das raras fotos juntos, durante uma festa em 1965. (Fonte: Sean Howe Tumblr) |
A salvação da editora
veio durante uma partida de golfe. Jogando contra Jack Liebowitz, dono da
National Comics, Martin Goodman notou o sucesso da editora rival com a Liga da
Justiça, reunindo seus principais heróis como Batman, Superman e
Mulher-Maravilha numa mesma revista, e tratou de encomendar uma resposta a esse
sucesso à dupla Stan Lee e Jack Kirby.
Inspirados pela
corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, a dupla concebeu em
novembro de 1961 o Quarteto Fantástico.
The Fantastic Four nº1 inaugurou uma
nova fase de popularidade para os super-heróis, salvou a Atlas do buraco e a
revolução foi tanta que a editora mudou até de nome e virou a celebrada Marvel Comics. E isto foi só o começo.
No período que foi chamado de Era Marvel (1961-1969), Jack Kirby encontrou em
Stan Lee a segunda e certamente a mais bem-sucedida parceria de sua carreira,
num casamento de inventividade que daria origem a uma série de memoráveis
títulos e criações.
Arte do brasileiro Joe Bennett para edição da Mundo dos Super-Heróis enfocando Stan Lee. Por muitos desses heróis terem sido criados em parceria com Kirby, o autor fez questão de incluir o Rei ao fundo do painel. (Fonte: Lady Failache Deviantart) |
Baseados na
proximidade dos personagens com a realidade, evidenciando seus dramas e falhas,
sobretudo valorizando suas motivações, a dupla trouxe ao mundo o Incrível Hulk (1962), o Poderoso Thor (1962), Homem-Formiga (1962), Vespa (1963), Homem de Ferro (1963), os Vingadores
(1963), X-Men (1963), Pantera Negra (1966), dentre muitos
outros entre heróis e vilões, com uma ou outra colaboração do desenhista Don Heck (1929-1995) e do roteirista Larry Lieber, irmão de Stan. A despeito
de polêmicas, Kirby deu contribuições também às criações de Homem-Aranha (1962)
e Demolidor (1964) e com Stan Lee resgatou do ostracismo heróis como Namor e
sua cocriação, o Capitão América. O sucesso foi completo: Stan Lee virou The Man (o cara) e Jack Kirby, The King (o Rei) e se tornaram ídolos
eternos.
Em matéria especial da Wizard Brasil, Stan Lee falou sobre o parceiro: "Seu talento era indescritível. A maneira como desenhava, é como se já tivesse a página toda na cabeça e simplesmente a projetasse no papel. É como se soubesse que cada linha traçada pertencesse exatamente àquele lugar (...). Jack Kirby com certeza foi um sujeito e tanto".
Em matéria especial da Wizard Brasil, Stan Lee falou sobre o parceiro: "Seu talento era indescritível. A maneira como desenhava, é como se já tivesse a página toda na cabeça e simplesmente a projetasse no papel. É como se soubesse que cada linha traçada pertencesse exatamente àquele lugar (...). Jack Kirby com certeza foi um sujeito e tanto".
Novos Deuses para uma nova era
Em 1969, a Marvel
Comics era um sucesso já estabelecido e era a empresa que dominava o mercado de
histórias em quadrinhos nos Estados Unidos. Contudo, nem todo mundo estava
satisfeito com esta situação. Enquanto Stan Lee era publicizado como o grande
comandante da Era Marvel e personificação da própria editora, Jack Kirby era
deixado de lado, muitas vezes até esquecido. Até o direito de ter seu nome
creditado como criador dos personagens que ajudara a conceber lhe foi negado.
Ao tomar conhecimento dos desgostos de Kirby, o desenhista e diretor editorial
da National Comics, Carmine Infantino, entrou em contato com ele e lhe fez uma
proposta de trabalho: três anos de contrato com direito a mais dois opcionais.
Magoado, Kirby deixou a editora que havia ajudado a edificar e partiu para voos
mais ousados.
"Quando ele deixou a Marvel, não acreditei", confessou Joe Sinnott, considerado o melhor arte-finalista de Kirby em entrevista à Wizard Brasil. "Não existe ninguém insubstituível- até mesmo Babe Ruth foi substituído-, mas Jack era o único cara que eu achava que ninguém poderia tomar o lugar na editora, e é claro que ninguém jamais conseguiu. Ele foi o pináculo".
"Quando ele deixou a Marvel, não acreditei", confessou Joe Sinnott, considerado o melhor arte-finalista de Kirby em entrevista à Wizard Brasil. "Não existe ninguém insubstituível- até mesmo Babe Ruth foi substituído-, mas Jack era o único cara que eu achava que ninguém poderia tomar o lugar na editora, e é claro que ninguém jamais conseguiu. Ele foi o pináculo".
Superman's Pal Jimmy Olsen nº 137 (1971). Com um raro Superman de Kirby na capa. (Fonte: Kirby Museum) |
Dotado de total
liberdade criativa, Jack Kirby chegou na National para assumir a revista Superman's
Pal Jimmy Olsen, protagonizada pelo fotógrafo amigo do Homem de Aço, e
a partir dela elaborou uma saga cósmica de proporções extensas, uma narrativa
que, como as próprias capas das revistas diziam, era "um épico para os
nossos tempos". A série de Jimmy Olsen somada às revistas New Gods, The Forever People e Mister Miracle formou a quadra da série que posteriormente seria batizada de O Quarto Mundo de Jack Kirby.
Acompanhado unicamente do polêmico arte-finalista Vince Colletta (1923-1991), Kirby editava, escrevia e desenhava as
quatro revistas, que narravam o conflito entre os planetas Nova Gênese e
Apokolips com a Terra no fogo cruzado.
Infelizmente, o
conceito do Quarto Mundo era muito avançado para a época e após algumas
edições, por volta de 1973, sob a famosa (e controversa) alegação de baixas
vendas, os títulos da série foram cancelados. Uma pena, pois Kirby imaginava
narrar a saga durante um tempo e depois fechá-la de uma vez por todas.
Prematuramente, o artista inventava o formato da minissérie.
O guerreiro Órion detona os inimigos na edição 6 de The New Gods: Deluxe Edition (1984) (Fonte: Bullys Comics) |
No entanto, as
contribuições de Kirby para o panteão da futura DC Comics foi muito além do
Quarto Mundo. Misturando super-herói, mitologia celta e cristã, Kirby concebeu
um dos mais tradicionais personagens místicos da editora, o demônio Etrigan,
que estreou em revista própria em 1972. No mesmo período, Infantino encomendou
a Kirby uma nova série, inspirada na pegada sombria do filme O Planeta dos Macacos (1968). Apesar de não ter assistido ao filme, o genial
quadrinista elaborou a partir da premissa de futuro apocalíptico a saga de Kamandi, na qual o jovem herói homônimo
precisava lutar para manter seu pescoço num mundo pós-cataclismo, dominado por
animais falantes e antropomórficos. A série durou 59 edições, das quais a
maioria teve a mão de Kirby.
Superman nas garras do implacável Darkseid. Capa de John Byrne para Superman nº 3 (1987) (Fonte: I Am The Phantom Stranger) |
Um adeus amargo
Capa de Captain America nº 193 (1976). A saga Bomba da Loucura foi um dos pontos altos do Capitão América e de Kirby. (Fonte: Super Coleções) |
A expectativa de um retorno de Kirby à Marvel – e à uma eventual parceria com Stan Lee- era similar ao sonho de uma reunião dos Beatles. Contudo, Kirby frustrou os planos dos que acalentavam essa vontade: entre as cláusulas de seu novo contrato com a editora, exigiu que desenharia apenas histórias escritas por ele mesmo. Aceita a condição, Kirby foi alocado no título-solo de sua criação mais famosa, o Capitão América. Nesta nova fase na Casa das Ideias, o quadrinista revigorou as vendas da revista.
Ainda fascinado pela
ideia de alienígenas com aspecto de deuses, trabalhada em seus tempos de Quarto
Mundo, o quadrinista lançou a série Os Eternos, de sua total autoria, em julho de 1976. A série trouxe mais uma
profusão de poderosos superseres, durando 19 números. Com sua versatilidade e
agilidade, Kirby também assumiu a série do Pantera Negra em 1977, fez uma
adaptação do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e quebrou sua promessa
pessoal, unindo-se a Stan Lee na graphic novel Silver Surfer: The Ultimate
Cosmic Experience (1978), inédita no Brasil.
Capa de Earl Norem para a graphic novel que reuniu Lee e Kirby nos anos 70 (Fonte: Pop Botics) |
Mesmo assim, a
atitude de Kirby em só trabalhar em projetos particulares incomodou muita gente
dentro da Marvel Comics. Segundo o livro A Era de Bronze dos Super-Heróis, do
jornalista e pesquisador de HQs Roberto
Guedes, em função de seu comportamento, Jack Kirby foi vítima de um
processo de sabotamento por alguns membros do staff da Marvel. Cartas forjadas
eram enviadas à redação da editora, detratando a arte de Kirby e até mesmo
ameaças por telefone o quadrinista teria recebido, com o objetivo de que
deixasse a Marvel.
Somando essa claustrofóbica crise com o desleixo da própria Marvel quanto aos planos de saúde dos empregados e a questão da devolução de originais dos desenhistas (uma luta que tirou muito o sono de Kirby), o Rei dos Quadrinhos abandonou seu reino em 1978 e partiu para melhores condições de trabalho.
Somando essa claustrofóbica crise com o desleixo da própria Marvel quanto aos planos de saúde dos empregados e a questão da devolução de originais dos desenhistas (uma luta que tirou muito o sono de Kirby), o Rei dos Quadrinhos abandonou seu reino em 1978 e partiu para melhores condições de trabalho.
E o rei foi embora...
"Trabalhei com ele durante seis anos e Jack era um sujeito formidável", relembrou Joe Ruby, para a Wizard Brasil. "Bastante prolífico também. Fazia seu trabalho mais rápido do que qualquer pessoa que conheço. Se eu lhe desse uma tarefa, ele ia para casa e a realizava".
No entanto, Kirby não
abandonou os quadrinhos totalmente. Em 1981, o artista esteve envolvido com a Pacific Comics, uma nova editora que
prometia romper com os padrões estabelecidos, principalmente no que tange à
propriedade de criação dos personagens. Na Pacific, Kirby concebeu Captain Victory And The Galactic Rangers, mais uma série de aventura explorando
o espaço sideral e Silver Star, também com a mesma temática. A iniciativa, porem,
teve vida curta, terminando três anos depois.
Em 1984, pouco mais
de 10 anos depois do cancelamento da série original, a agora DC Comics entrou em contato com Jack
Kirby e lhe propôs a realização de uma graphic novel que mostrasse o final
definitivo imaginado pelo autor para o Quarto
Mundo, sua célebre criação. Kirby topou a parada, mas a produção da edição
especial foi recheada de desentendimentos entre o quadrinista e a cúpula
editorial da DC, principalmente quanto ao destino dos principais personagens da
série.
Após inúmeras discussões,
dispensa e reelaboração de páginas e revisões, The Hunger Dogs foi
publicada no número 4 da coleção DC
Graphic Novel, em janeiro de 1985. Mesmo com esse final elaborado por
Kirby, muitos de seus admiradores entendem a graphic novel como um possível final
da epopeia dos Novos Deuses, o que parece ser algo compartilhado pela própria
DC Comics, que continuou utilizando os personagens do Quarto Mundo em suas
revistas regulares sem qualquer influência dos eventos de The Hunger Dogs.
Jack Kirby e um radiante fã em 1979 (Fonte: Progressive Ruin) |
Em 1987, num momento
histórico e sob a pressão de vários escritores, artistas e fãs, a Marvel Comics
devolveu a Jack Kirby cerca de 2.100 páginas de originais produzidas pelo
quadrinista. Estima-se que Kirby tenha em originais feitos só para a Marvel
cerca de 13.000 páginas. Nesse mesmo ano, aos 70 anos, Kirby decidiu se
aposentar, mas os fãs e admiradores não permitiriam que o Rei se afastasse
completamente.
Por volta de 1993, Kirby relançou seus personagens outrora publicados na Pacific Comics pela Topps Comics e participou do projeto conhecido como The Kirbyverse, na qual personagens e/ou conceitos elaborados por Kirby eram inter-relacionados em vários títulos como Bombast, Night Glider, Satan's Six, Captain Glory, Silver Star e Victory. Esse projeto teve a supervisão de Kirby e contou em suas equipes criativas vários nomes consagrados da indústria das HQs como os escritores Kurt Busiek e Gerry Conway, os desenhistas Don Heck e Keith Giffen e os arte-finalistas Jimmy Palmiotti e Terry Austin. Considerado um material fraco e antiquado, as publicações do Kirbyverse naufragaram nas bancas.
Roz e Jack Kirby em 1989 (Fonte: Kirby Museum) |
Na mesma época, Kirby
escreveu e desenhou Physical Force, série na qual foi auxiliado por um time
extenso de arte-finalistas da Image Comics, editora que ditava o ritmo do
mercado e continha em seu cast ídolos da época e fãs de Kirby, como Jim Lee e Todd McFarlane. Foi seu último projeto publicado. Um dia, mais precisamente em
6 de fevereiro de 1994, o coração do Rei dos Quadrinhos parou de bater. Com
grande comoção, a comunidade de escritores, desenhistas e fãs prestou diversas
homenagens ao artista considerado o maior ilustrador de quadrinhos em todos os
tempos.
O legado de Kirby
continua bem vivo, uma vez que várias de suas criações continuam sendo
publicadas e renovadas, ano após ano, pela Marvel e DC Comics. Todos reverenciam seu trabalho e sua criatividade, desde profissionais dos quadrinhos até músicos como Gregg Bendian e Paul McCartney. Sua obra está recheada de conceitos que são explorados até hoje e ainda o serão por muito tempo. Por isso, Vida Longa ao Rei!
Fonte
Fonte
- O Rei e Eu, Wizard Brasil nº 14, Panini Comics (2004);
- O Rei dos Quadrinhos, Mundo dos Super-Heróis nº 3, Editora Europa (2006);
- Dossiê Jack Kirby, Mundo dos Super-Heróis nº 25, Editora Europa (2011);
- Jack Kirby em Wikipedia (English);
- Jack Kirby Museum;
- Jack Kirby em Guia dos Quadrinhos.
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